1.1.21

Deste ponto-de-vista (short stories #291)

Trent Reznor & Atticus Ross, “Epiphany”, in https://www.youtube.com/watch?v=zNXY1av-NUE

          Lambiam-se as feridas, como os cães fazem em processo de autoimunização. Os calendários findos prestam-se à dialética (o ser e a sua consciência). O que está por saber é o mapa onde encontram cartografia as lágrimas herdadas do futuro, os sonhos sem rodapé, as avenidas sem linhagem. Deste ponto-de-vista, os dedos entrecruzados agasalham a vénia que não soube ser. Os olhos não se enfurecem. Guardam o silêncio como quimera sem nome. Talvez sejam povoados, os sonhos. Povoados pelos mistérios que nunca perderam nome. Depois da coexistência dos medos, as coincidências são incineradas nas promessas do futuro. O único oráculo que conta é o que desafia o passado. Antes que as mãos, atadas pela improcedência, nadem nas nuvens orquestradas por marinheiros distraídos. Pois tudo se resume à soma dos sobressaltos com paradeiro. Há sempre o amanhã (diz-se, constantemente, como se a simples invocação de um tempo por haver fosse a caução que faltava). Conscientemente, ninguém aposta em si mesmo. Se à mesa dos imberbes só amesendam os notáveis, denunciem-se os imberbes pela má companhia. É assim que devem ser lidos os mapas. Pois este é o ponto-de-vista que tem o meu olhar como apeadeiro. Não sabemos dos pontos-de-vista dos outros. Não os consideramos: são olhados por olhos que não são os nossos. E, todavia, é desta impotência que grassam quase todos os males que devolvem a destruição. Do ponto-de-vista em que nos constituímos, tornamos ilegítimos os demais. Erradamente. Não precisamos dos olhos outros para tolerar os pontos-de-vista que de nós não procedem. À míngua está um princípio geral de confiança. Todos damos um ponto-de-vista, ao menos. Damos: como se fosse uma liberalidade. Uma concorrência infinita. Santuário da riqueza da espécie. Em falta está a desimportância de cada um de nós. Um módico de humildade que faça esquecer a grandiosidade estulta de um ponto-de-vista que não admite contrários. 

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