O perfume a jasmim aplaca o dia mau que se pôs. A sucessão de dias soalheiros, embora frios, terá feito anestesiar o que do inverno se padece (descontado o frio, uma vez mais). Nota-se: os cenhos que desarrumam as ruas, como se as pessoas seguissem, contrafeitas, no caudal do dia chuvoso.
Consulta-se o boletim do tempo para os dias vindouros. Não se espera o regresso do sol tão cedo. As pessoas vertem a cabeça no chão, esmagadas pelo peso plúmbeo do céu tomado pelas nuvens cerradas. À medida que os dias sucessivos de chuva se amontoam sobre os corpos pesados, as pessoas combinam trazer apenas os seus retalhos. Guardam o melhor de si para os dias soalheiros. Equivocam-se: se apostam a preferência nos dias povoados pelo sol, deviam pressentir o sol como a centelha que os faz rimar com um espírito afortunado. Escusavam de esperar pelo sol para de si darem o melhor, que o sol (ao que parece) já é essa quimera.
Melancólicas, arrastando os corpos contra a intempérie, afundam-se com a luz sombria que não chega a divorciar-se do dia. Dizem-se a retalho, propositadamente. Não querem exibir o melhor de si se o dia chuvoso não quadra com elas. Avançam contra o tempo como se o tempo contasse a triplicar. É como se o vento tempestuoso, que atira bátegas de chuva contra os seus corpos ensopados, conspirasse; e as pessoas não querem ser cúmplices de uma conspiração de que são vítimas. Escondem o olhar radioso. Escondem os rostos lustrosos. Mostram uns contidos fragmentos do que são. Talvez tenham medo que a tempestade consiga arrancar o melhor que nelas se encontra. Ou medo que a tempestade as dissolva.
Como gratificação dos dias soalheiros que são um prémio raro em invernos sacrificiais, as pessoas elegem os dias invernais como dias maus. Desconhecem a poesia que se disfarça nos interstícios de um dia medonhamente tempestuoso. Recusam, por preconceito, levitar no sortilégio de um dia carregado que mantém a claridade refém. Não são vultos que se escondem nas fundações de um dia chuvoso. Não é a artrose do pensamento que adere ao desarranjo dos elementos à mercê da borrasca. É o perfume do jasmim que desata os nós de um dia que falsamente se estabeleceu como dia mau. Nem que seja do jasmim que há em memória.
O mau do filme em constante rodagem não é a chuva. É o preconceito que a difama.
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