Não é sonho, que os sonhos não se materializam em coisas tão mundanas. É um desejo alinhavado na frustração de quem se sente desconfortável no meio vizinho.
A demissão coletiva é uma doença que agrava a patologia mais geral que se abateu sobre o sistema. As pessoas não estão contentes com o que têm, ou então as vozes vivas dessa insatisfação não corporizam o sentir geral, que deve estar cerzido no silêncio de uma putativa maioria. Olhando ao grau de desistência na comparação de diferentes momentos, o coro dos demissionários tem vindo a aumentar. As maiorias que oferecem a caução aos vários regentes que exercem mandato transfiguram-se numa minoria. Os que fogem do sistema participativo exercem um direito: o direito de estarem à margem. Ignorar o coro crescente de pessoas que se coloca voluntariamente à margem é das maiores hipocrisias das personagens com protagonismo no sistema instituído.
Eu gostava que a alienação fosse capitalizada numa qualquer forma de intervenção que sinalizasse um clamor não menosprezado pelos protagonistas. Gostava que os que olham para o lado e interiorizam que são meros agentes passivos do processo mudassem de comportamento. Que não persistissem na insensibilidade que se vira contra si mesmos. Que se insubordinassem, pela voz que fosse, quando argumentam em silêncio em oposição às decisões que julgam ser contraproducentes. Uma qualquer forma de intervenção cidadã para que os protagonistas percebessem que não estão à margem de um escrutínio mais vasto (pois que o escrutínio a que se submetem é frágil, banalizado nos corredores do atual processo, repleto de mútuos rabos de palha).
Podíamos vociferar, com voz escrita num diadema audível, que não podem contar com a nossa apatia. Podíamos passar por cima dos terríveis mecanismos de censura indireta que vagueiam no espaço vizinho de cada vez que alguém “ousa” (na perspetiva de quem defende os regentes) terçar uma crítica às decisões tomadas ou à passividade escolhida. Esse seria o primeiro passo: não ceder à vulgata dos partidários do reino estabelecido, escandalosamente salazarenta, nem ao estigma do pensamento binário: pois que nem os regentes são à prova de crítica, nem a formulação de uma crítica nos coloca nos quadrantes dos que oficialmente se opõem aos regentes.
Para não sermos reféns desta apatia, devíamos despertar de um torpor que nos amordaça. Devíamos ser cultores da informação, sem a qual a crítica não pode medrar. Devíamos ser rigorosos no escrutínio de quem nos traz a informação, para separar a informação fidedigna da informação manipulada. E devíamos sussurrar aos ouvidos dos regentes e de seus pajens, mas de forma categórica: “não contem com a nossa apatia”.
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