25.1.21

E se?

Bill Callahan, Bonnie Prince Billy & Ty Segall, “Miracles”, in https://www.youtube.com/watch?v=9TzRkOR7kU4

E se não fosse âncora, mas antes exílio, a claraboia que se oferece de véspera?

E se não fosse medo o ciciar perpétuo que rima com as manhãs embaciadas?

E se não fossem promessas que compõem os férteis campos das ilusões?

E se as teias não trepassem pela pele suada e se fizessem ouvir nas juras emaranhadas?

E se um silêncio fosse apenas a tradução das palavras desejadas?

E se a armadura que avaliza a fortaleza que somos fosse encimada por frágeis ameias e, ainda assim, constituísse privilegiado amparo contra as invasões?

E se a alma pura coubesse na deserção?

E se a meias com a teimosia falasse mais alto uma inacabada fragilidade?

E se todas as viagens deixassem por revelar muitos mundos à espera?

E se as palavras perdessem os acentos sem ficarem órfãs?

E se fugíssemos para um lugar que só pertence ao nosso dicionário?

E se o estipêndio da matéria roubasse ao inverosímil a sua garantia?

E se trouxéssemos da noite o luar e com ele caiássemos a própria alvura?

E se virássemos do avesso as costuras das palavras para as sabermos insubmissas?

E se não fosse perfumado o exorcismo das almas com a maresia destronada pelo entardecer?

E se na combustão dos corpos nos soubéssemos sublimes?

E se não houvesse conspirações a destronar a lucidez?

E se às horas mortas emprestássemos o resplendor que nos completa?

E se ao tempo vindouro não houvesse juras afiveladas?

E se dos contratempos se angariassem as forças expostas?

E se de fraturas pretéritas medrasse a vigilância da alma?

E se às horas contadas devolvêssemos os juros da felicidade?

E se no debruar do horizonte fosse descoberta a centelha inesperada?

E se num oráculo sem tempo fosse desenhado o limite do passado?

E se num apertado abraço se ordenassem as preces que substituem contratos?

E se à espera das incógnitas traduzíssemos a equação em estrofes emolduradas nos rostos vivazes?

E se a árvore centrípeta reservasse uma elegia adiada?

E se nos poros das mãos se contivesse o húmus da angústia?

E se amanhã fosse apenas a espera pelo amanhã?

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