11.10.05

Ecos de Outono

Sinais do Verão que está de partida. As primeiras tempestades estão no cardápio dos boletins meteorológicos. O vento solta-se, abre os pulmões e sopra, com toda a força. Ajuda a varrer as folhas caducas que perdem o verde efusivo, caucionando a cor acobreada que tinge as árvores com o tom outonal. Há sítios onde o chão é uma cama de húmidas folhas caídas, desordenadamente colocadas pelo capricho de rajadas de vento que esbarraram na folhagem ténue baloiçando nos galhos.

O frio está ainda longe, sem se avistar no horizonte. As tempestades de Outono trazem a fúria climática a que estávamos desabituados. De temperaturas amornadas, sinal dos ventos vindos do sul, temperados pela quentura dos trópicos, que extinguem a sua força tremenda nas terras peninsulares.

As nuvens que se acastelam no céu semeiam o breu apenas guardado na memória. Meses a fio com o sol a tinir bem alto, espalhando uma luz cristalina que, no pino do Inverno, sinaliza a bonomia dos elementos. Como é interessante sentir, findo o Verão, que o corpo anseia pela chuva impiedosa, pelo vento selvagem que dança desordenado, pelo frio que chama por agasalho. Todos os anos, a mesma sensação de cansaço quando uma estação se extingue, dando passagem à estação que vem no dobrar do calendário. A geografia e os elementos foram generosos: providenciaram a sequência de climas que não deixam instalar a rotina pelo cansaço do mesmo tipo climático.

A tempestuosa encenação dos elementos revela quadros inolvidáveis. O meu preferido é deter o olhar, por longos momentos, nas vagas alterosas que se desfasem contra os rochedos que vão até ao areal, ou contra os muros dos paredões que enfrentam a fúria marítima. As ondas chegam, encapeladas, empurradas pelo vento desabrido. Ao longe, rumo ao porto, navios desafiam o tempestuoso clima, buscando abrigo. Dançam, esforçados, tragando o ululante silvo das ondas. As gaivotas ousam bater as asas no frenético saltar das rajadas de vento. Rondam o mar mexido, sem a imprudência de nele mergulharem em busca do peixe que deve andar por águas mais profundas, decerto mais tranquilas.

O mar assim alterado pelo vento borrascoso parece uma cama agitada que não pára de se revolver sem direcção. Nem as ondas oferecem a ordenação vistosa dos dias de Verão pontuados por uma brisa refrescante. Desdobram-se em degraus deformados, sem padrão, espumando na crista, batendo fragorosamente umas nas outras, formando novas ondas que se agigantam até se despedaçarem no primeiro obstáculo terrestre que enfrentam. Rochedos, areia, paredões – parecem frágeis, desnudados perante as levas de ondas que neles perdem a vida. E, no fundo, mostram como são coriáceos, resistem estoicamente às investidas do mar bravio que só se acalma quando se desfaz nas barreiras que o acolhem numa turbulenta acalmia.

Chega o Outubro e perpassa no ar a espera das primeiras tempestades trazidas pelo Atlântico revoltado. Oceano, testemunha do cansaço da acalmia dos dias estivais. É chegado o tempo de semear a terra com as chuvas, mais bonançosas na secura prolongada. Agraciar os sentidos com a preciosa sensação de me envolver nos lençóis enquanto escuto os silvos furiosos das revoadas de vento que esbarram nas persianas fechadas. Renova-se o espírito com a chuva ventada que limpa os trejeitos instalados pelo Verão. Antes que se sedimentem, são varridos pela febril tormenta outonal que ecoa no vento desajeitado que se passeia, sem rumo definido, dobrando esquinas e ruelas.

Os ecos do Outono, presságios da rigorosa invernia que terá o seu tempo. Preparação dos dias sombrios, noites mais longas, uma escuridão que no entanto não entristece. Renova, dúctil, temperando as febris sementeiras que o estio acalentou.

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