Terá entrado na meia-idade, se as aparências não me levam no engodo. Anafada e roliça, move-se em passos pequeninos. Maneira despachada de falar, uma forma de se dirigir às pessoas que a colocam no apogeu da impertinência. Quem a ouve, no uso da palavra, dirá que é mulher cheia de certezas. Um discurso assertivo. E tem uma voz que está nos antípodas do monocórdico; antes o fosse, pois que das suas cordas vocais se soltam silvos que levantam da apatia o mais indolente monge tibetano.
No Verão vi-a desfilar longas túnicas semi-transparentes, em cores berrantes – ora um rosa choque, ora um azul-turquesa, ou um azul bebe debruado a douradas lantejoulas – ostentando uma racha escandalosa, expondo aquilo que nela menos se deseja ver. Calçava uns tamancos que deixavam à mostra os gordos dedos dos pés com umas unhas pintadas num vermelho carmim que se via à distância. As melenas loiras escorridas desembrulhavam o pormenor mais delicioso: as sardas artificiais. É verdade, coisa nunca vista, sardas pintadas, concentradas na parte superior do nariz e descendo em menor quantidade para os lóbulos mais elevados das bochechas. Pintadas a um negro vivo, a contrastar com a alvura da sua pele.
Há mulheres que se passeiam nas ruas como se fossem mostruários de cosméticos. É a base, o batom, o rímel, as sobrancelhas alvo de cuidado tratamento, sabe-se lá o que mais a indústria cosmética habilita a esconder da natural beleza que as mulheres têm. Sempre me causou espécie mulheres encharcadas em cosméticos, disfarçando rugas, salientando cores, pintando lábios de forma a fazer de conta que têm bocas mais pequenas. Há tempos recebi um e-mail que passava imagens sucessivas de beldades do cinema e da moda. Apareciam, lado a lado, duas fotografias: uma sem cosméticos, outra com a zelosa produção que transforma as divas da sétima arte e as modelos de passerelles em mulheres deslumbrantes. Que diferença! Casos havia em que a mulher ao natural não parecia o produto artificial escondido nas artes dos produtos cosméticos.
A bizarria de ver uma mulher pintar abundantes sardas é uma experiência insólita. Mais estranho ainda quando, para os padrões da “beleza normalizada”, as sardas ditam sentenças de fealdade. Das duas uma: ou aquela senhora acha que o plantio de sardas na sua face é um expediente para acentuar traços de uma beleza ausente; ou ela orienta-se por um diapasão que escapa aos cânones da normalidade, procurando acentuar a feiura com as ajardinadas sardas que lhe preenchem o rosto. Acaso aquela mulher se desliga de preocupações estéticas, ela, o paradigma da fealdade tonificada pelas sardas espalhadas nariz acima, descendo até ao ponto em que as bochechas se agigantam nas carnes abundantes.
Há meses a Dove fez campanha pela negação dos habituais padrões de feiura. Queria-nos convencer que todas as mulheres são belas. Que, acima de tudo, o oposto da beleza não existe quando olhamos para uma mulher – mas sobretudo quando uma mulher se mira atentamente ao espelho. Há antónias figuras que desmentem a táctica que intui nas mulheres uma elevada dose de auto-estima, com a chancela da aparência exterior. Antónias figuras que levitam no ridículo, deixando um rasto de bizarria por onde passam. Um rasto que é leito de pesadelos assombrosos.
Não bastasse o fermento do grotesco, adicionam-se as pitadas de uma personalidade que transgride os mais elevados limites da paciência. Muitas Marias temos entre nós. Poucas, decerto, tão únicas como esta sumidade que combina pesporrência com a garridice que se liberta dos passos da anafada criatura que mostra dificuldades em mover-se.
3 comentários:
Simplesmente ilariante este teu post! Diria que será impossível descrever indiscritível, só visto!
Muito bom. A grande maioria das mulheres acabam competindo para ver quem tem o melhor produto de beleza, o melhor salão. E a DOVE que nos desculpem....mas existem muitas mulheres feias sim, muitas barangas aí pelo mundo afora.
Por deus!!!!Viva e deixe viver.
Teu post é bastante preconceituoso.
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