20.10.05

“País”, com maiúscula?

Reparo que muitas pessoas escrevem país com maiúscula. Desconheço a regra da linguística que versa sobre o assunto. Preso ao purismo linguístico que cultivo, desobedeço a determinadas regras de forma propositada. Por exemplo, o meu ateísmo impede-me de escrever “deus” com maiúscula. Da mesma forma que o meu anti-nacionalismo me leva a desprezar a eventual regra que exige que se escreva “país” com inicial maiúscula.

Num esforço de ir às raízes do problema, há argumentos a favor dos que escrevem “País”. Da mesma forma que se escreve Portugal – ou Espanha, ou Madagáscar, ou Eritreia – e como todas estas palavras se referem a países, faz sentido que a palavra “país” apareça com inicial maiúscula. Se Portugal é um país e as regras mandam que Portugal se escreva assim, “maísculada”, sendo Portugal país logo a palavra “País” deve surgir escrita da forma que se acabou de expor.

O argumento colhia se os que insistem em colocar o “p” maiúsculo antes das letras “aís” não abdicassem da regra quando escrevem a mesma palavra por referência a um país estrangeiro. Apenas o país de que somos nacionais terá dignidade de aparecer com “P” maiúsculo; os demais países, por corporizarem o universo do estrangeiro, por não serem os territórios a quem, como nacionais, devemos lealdade, não merecem ser grafados com letra maiúscula.

Os que fazem esta distinção mergulham numa contradição insanável. Por um lado, nos tempos modernos em que se cultiva uma imagem de transnacionalidade, em que as forças da globalização cortam a eito e entram transversalmente em todos os países, deixa de fazer sentido a segmentação entre o nacional e o estrangeiro. Em segundo lugar, quem persiste na distinção de termos passa uma esponja nas lições legadas pelas duas guerras mundiais que afligiram a Europa na primeira metade do século XX. A construção de uma Europa unida é o mostruário das vontades irmanadas num frémito de paz. Paz que não se compadece com espúrias distinções entre “nós”, os nacionais, e os “outros”, os estrangeiros – sobretudo se dessa distinção resulta a discriminação dos outros.

Há uma explicação alternativa para se escrever “País”: um país é composto por pessoas, os seus nacionais e os residentes de nacionalidades estrangeiras. As pessoas têm nomes; e quando escrevemos os nomes das pessoas usamos maiúsculas – Paulo, Pedro, João, Gabriela, Leopoldina, etc. Sendo o país o somatório de nacionais e residentes, tendo todas estas pessoas nomes, empregar minúscula ao escrever “país” é um achincalhamento inadmissível das pessoas que são o substrato de qualquer país. Daí o engrandecimento da palavra “País”, que merece a excepção das poucas palavras que surgem com letra maiúscula mesmo no meio de frases. Porque o país é o prolongamento causal das pessoas que decidiriam agrupar-se num todo social que formou o país. Nesta perspectiva, empregar “País” não é uma forma de enaltecer esta forma de organização social. Trata-se, apenas, de não despersonalizar as pessoas que constituem o país.

Mesmo que se aceite a retórica justificativa da utilização de maiúscula para a palavra “país”, está-se a divinizar o país como entidade. Causa-me espécie verificar que há quem utilize indistintamente a maiúscula para as palavras “deus” e “país”. Como se uma e outra tivessem a mesma importância na condução da acção humana. Para os crentes na entidade divina, é uma blasfémia colocar ao mesmo nível semântico as palavras “deus” e “país”. Para os agnósticos e ateus que seguem a regra de grafar “país” com maiúscula, tudo se passa como se encontrassem no “País” o substituto do deus em que descrêem. Aceitar a utilização de maiúscula para a palavra “país” parece-me excessivo e injustificado. É a prova de que aceitamos, como indivíduos, a nossa pequenez perante a grandiosidade do omnipresente país. O que faz com que o país mereça a honraria de uma inicial maiúscula.

Estende-se a passadeira para diminuir o estatuto da pessoa humana, que entrega o seu destino nas mãos do magnânimo país onde ela teve a sorte de nascer. Despersonalizam-se as relações sociais, ao exagerar a importância de algo que não passa de uma ficção – o país é uma ficção, a agregação das pessoas que o decidiram criar. São as pessoas que têm carne e osso; o país é uma coisa suposta, uma imagem criada. A diferença de estatuto seria suficiente para continuar a chamar as pessoas pelos seus nomes, que se iniciam com letras maiúsculas, recusando o mesmo tratamento aos países. Daqui proponho: que “país” se escreva com minúscula, da mesma forma que portugal, espanha, madagáscar ou eritreia deviam ser escritas da forma que acabaram de ler.

2 comentários:

Adans disse...

Eu li seu artigo, parei um pouco no ponto em que você disse ser ateu, e eu, que creio em Deus gostaria de lhe dizer, não com espírito de contenda e discussão, mas como que, conversando com um colega, mentes abertas, espírito amplo, ok! Fiquei sabendo de um caso, um conhecido de um amigo meu, ele não era só ateu, era um pregador de sua convicção, um ateísta praticante, pois bem, mas curiosamente este admirava a pessoa de Jesus Cristo, ele dizia em suas palavras, Ele é o cara! E lá pelas tantas pegou a Bíblia, só de curiosidade pra saber alguma coisinha sobre o "cara", pois bem, acontece que esta foi a forma de Deus o ganhar, estando embevecido pela leitura, de um instante para o outro, ele simplesmente exclamou em alta voz admirado: JESUS CRISTO!!! Pois bem, isto foi o suficiente, Deus entrou dentro dele. Querido amigo ateu, gostaria de lhe dizer que esta é a forma simples e pratica de conferir a existência ou não de Deus, não são os nossos questionamentos infindáveis, nossas "provas", mas um simples chamar, a Bíblia nos afirma que se simplesmente chamarmos por este nome, Jesus Cristo, seremos salvos, sabia disto? Eu lhe digo isto com muito amor, se você for alguém inteligente e objetivo, procurará experimentar o que lhe proponho.

...todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo - Rm 10:13.

Estou lhe enviando meu e-mail, caso queira corresponder, ok.
paradigma7@pop.com.br

Anónimo disse...

E qual o motivo de brasileiro ser minusculo???