25.10.05

Quando a matemática atraiçoa a gramática (ou vice versa)

Com a soltura verbal de quem vê, primeira vez na vida, microfone e câmara de tv. à frente dos olhos, diz a senhora, para justificar o desemprego de longa duração:

- “Com a idade que tenho, ninguém me quer dar um emprego”.

E pergunta o jornalista, desconhecendo uma regra de ouro do cavalheirismo demodé:

- “Que idade tem a senhora?
- “Cinquenta e um ano”.

Cinquenta e um ano, just like that. Intrigam-me os meandros tortuosos da mente de quem mete os pés pelas mãos ao misturar matemática e gramática. Tento perceber o raciocínio: “cinquenta e um” acaba no primeiro número inteiro que a contagem algébrica conhece. Um é singular, logo este “um” sobrepõe-se ao cinquenta, que aqui estende a passadeira vermelha ao potente “um”, o imperativo do singular. Portanto, sempre que aniversariamos num algarismo que acaba em “um” regressamos à longínqua infância em que mal nos púnhamos de pé. Por imperativos do singular que asfixia o avantajado plural que se esconde nos “qualquer-coisa-e-um” que batem, inclementes, no calendário.

Um conflito entre matemática e gramática. A senhora configura uma excepção à regra. Iletrado povo na arte dos números, que também anda aos trambolhões com a arte da sintaxe. Ela quis dar primazia à sua versão pessoal da matemática redundante. Atropelando a gramática.

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