19.10.05

Lema socialista: olha para o que eu digo, não para o que eu faço

Dominam grande parte do mundo. Sequelas de um sucedâneo mafioso, a Internacional Socialista. Por cá, há quem se queixe do tratamento condescendente que a comunicação social dedica aos disparates recorrentes que nascem no Largo do Rato. Lá por fora, um pouco por todo o lado, a teia estende-se, contagiante: asneiras que se viessem de outros quadrantes seriam implacavelmente censuradas, têm o beneplácito dos benfeitores que tratam o dislate socialista como se fosse coisa normal.

Exemplos não faltam. O tratamento aviltante que os emigrantes africanos têm quando chegam a Melilla e procuram dar o salto para a mirífica Espanha. Naquele enclave espanhol espetado em terras marroquinas – outro anacronismo, para mais vindo de um país que reclama a indignidade da ocupação britânica em Gibraltar – há muros que impedem a passagem dos refugiados para o sonho europeu ainda plantado em terras do norte de África. As autoridades espanholas andam a espalhar arame farpado letal para dissuadir a entrada ilegal. É um convite a uma aventura tantas vezes mortífera, quando em desespero os pretendentes a emigrantes pulam para frágeis embarcações e sulcam o curto braço de mar que os separa do oásis espanhol.

Quem tem reforçado as medidas de segurança para impedir o fluxo de emigrantes africanos é o governo de Zapatero. Esse novo herói dos socialistas românticos, que pela enésima vez se decepcionaram ao verem que o anterior herói – Blair – cometeu a vilania de alinhar ao lado dos Estados Unidos na aventura bélica do Iraque. Zapatero é a última nova esperança. A imagem da “governação nova”, progressista como convém para arrebatar o entusiasmo das franjas que alinham pelo diapasão do progressismo só porque lhes soa bem qualquer arroubo de progressismo. Esta esquerda não se cansa de apregoar a abertura de espírito aos perseguidos pelo estigma da pobreza. Na primeira oportunidade, é levada pelos imperativos do pragmatismo e fecha a porta às vãs promessas do passado. Condenando os refugiados à miséria em duplicado: à que já trazem consigo, e àquela que resulta das expectativas frustradas.

Os relatos de más condições dos “campos de acolhimento” (na fórmula eufemística das autoridades espanholas) são de agora, do consulado de Zapatero. Quando Aznar esteve à frente do governo nada disto transpirou para o exterior. Ora, com o poder que a Internacional Socialista tem, é de estranhar que a denúncia das más condições oferecidas aos refugiados africanos não tenha acontecido enquanto Aznar foi primeiro-ministro. Surpreendente é observar a emergência do assunto em pleno consulado socialista, para mais quando os socialistas espanhóis parecem estar em plena lua-de-mel governativa.

Miguel Portas, um dos paladinos nacionais das “causas justas”, fez uma visita aos “campos de acolhimento” na qualidade de parlamentar europeu. Não gostou do que viu. Sobretudo do muro de quilómetros que amputa as esperanças que fizeram deslocar tanta gente para um lugar distante da terra mãe, em busca de uma vida decente. Falou de um muro da Palestina, porque os constrangimentos ideológicos o impedem de relembrar o mais vergonhoso muro de Berlim. Para o caso, pouco interessa saber as razões da fraca memória e do viés ideológico do pateta alegre. Mais importante é ver que, descontados os naturais exageros que partem da radical figura, o governo socialista espanhol está a braços com uma empreitada que belisca a sua imagem dourada. Começa a cair a máscara das ilusões. A retórica desfaz-se contra o paredão do pragmatismo político. Zapatero e sus muchachos fazem coisas diferentes das prometidas.

Passando para o lado de cá da fronteira, mais do mesmo. Basta ver como se comportam socialistas enquanto oposição e quando ocupam o cadeirão do poder. É comparar o discurso alarmista na época de incêndios nos dois anos anteriores com o que se passou este ano; é comparar a posição dos inefáveis socialistas perante as aspirações sindicais de polícias e militares enquanto oposição e agora, no governo – condescendência, até apoio, versus autoritária negação de direitos sindicais. As mesmas pessoas que verberavam actuações do governo desastrado de Santana Lopes, agora, com responsabilidades governativas, defendem decisões idênticas. Com a mesma desfaçatez de quem se dirige à horda destituída de memória. São os branqueadores da memória colectiva, com o beneplácito da comunicação social que lhes dá guarida.

Vão sendo os inquilinos do poder, com episódicas curas de oposição. O povinho medíocre escolhe os governantes à sua imagem – elege o escol dos medíocres, escola onde os socialistas têm mister inigualável.

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