O galo, emproado na sua penugem garbosa, passeia entre as galinhas. Passos majestosos, na imperial condição do macho dominante. Cacareja, voz de comando obedecida pelas galinhas do seu séquito. Se acaso uma se desvia, o galo bate as asas com estampido e dispara um grito que a traz de volta à formação ordenada. Vou apreciando o bailado da capoeira e o galo percebe que está a ser observado. Exibe a vaidade de quem manda no galinheiro. Estica a penugem colorida da cauda, espetando-a para cima para exibir pose imponente. Palmilha o chão com passos estudados, como se fosse um manequim que, vaidoso, desfila na passerelle.
Não é a gripe das aves que me traz aos galináceos. O pânico espreita entre o alarmismo barato da imprensa. De norte a sul, os galinheiros multiplicam-se. São focos de excelência para a propagação da doença, caso ela chegue até aqui. Venha isso a suceder e, dizem alguns, será uma desgraça económica. Para a economia doméstica de tanta gente que faz criação de galinhas. Uns para consumo doméstico, curando da auto-subsistência alimentar. Outros como forma de negócio, levando os frangos e os galos do campo para as feiras da província, expondo-os de patas amarradas, os bichos atarantados sem se poderem mover na atadura das patas.
Não são os efeitos devastadores de uma possível gripe das aves que discuto. É mais o prisma da economia da capoeira. O papel valioso do galo, imerso no seu harém que cuida com esmero. Estes galos são mais caros que as galinhas. Merecem o investimento pela função que lhes é destinada. Mais ainda pelas compensações que proporcionam, na função cobridora que alimenta o negócio: a prole que se multiplica, para contentamento do criador; e pelos insaciáveis degustadores de cabidelas, ansiosos por degolar a galinha e escorrer o sangue para o alguidar antes de ser vertido no opíparo manjar de cor escura.
Dir-se-ia que estes galos deveriam ser pagos a preço de ouro. Desconheço qual é a esperança média de vida da espécie. Há que descontar a entrada na curva descendente, o preço a pagar pelo desgaste da idade. É nessa altura que os galos deixam de exercer a função reprodutora. Perdem a autoridade, habituadas as galinhas a serem dedicadas escravas do galo reprodutor, condenadas agora à míngua enquanto o criador não encontra substituto. O criador é obrigado a renovar o investimento. O galo mestre perde as rédeas da capoeira, destronado por um galo mais novo, de sangue na guelra, apto para a função. Ao galo desempossado é inútil protestar pela chegada da ave de arribação que o substitui. É preciso manter o negócio. Ao galo cessante, não há segurança social que valha, nem condescendência como gratificação dos serviços de anos a fio. Apenas um activo que deixou de o ser, pronto a ser abatido.
O criador paga um preço residual pelos galos imperadores de capoeiras. O galo multiplica em lucros o investimento do criador. Sem contar a função ordenadora da capoeira desempenhada pelo galo, função inestimável. Ele conduz as galinhas pelos caminhos certos, por estar dotado de um instinto que as estroinas galinhas estão destituídas. A falta de inteligência também alimenta a disparidade de preços entre o galo garboso e as galinhas anónimas. Os galos protegem as galinhas, protegem o investimento do criador. São o capataz do criador junto das galinhas.
Só o desumanizado capital permite compreender como um galo que por tantos anos se dedicou com esmero a proteger o investimento do criador seja descartado quando perde atributos. É o desmerecimento de tudo o que o galo gerou em forma de proventos. A ingratidão na sua essência. Por anos de fiel dedicação ao criador, os galos imperadores do seu harém deviam ser compensados em fim de vida útil. Ter direito a uma reforma dourada. E seria proibido o abate quando fossem substituídos por galo mais jovem e viril.
A frieza do capital ignora estas indulgências. Nem o humano se compadece com estéreis afectividades com animais que cumprem funções económicas. E sempre pode o criador alegar, em abono da sua ausente piedade, que o galo garboso leva uma vida invejável para muitos humanos: garantem-lhe um harém. Sem contar que a ponta da afiada faca não lhe está reservada, apenas às galinhas que vão deixando de estar abrigadas na sua asa protectora.
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