Um dirigente de uma qualquer associação de defesa do ambiente acusou Durão Barroso de hipocrisia por se fazer transportar num automóvel que ultrapassa, a dobrar, a emissão de gases permitida. A alface de serviço terá alguma razão: as normas de emissão de gases poluentes foram aprovadas pela Comissão Europeia, a instituição presidida por José Barroso. Fica-lhe mal a gula automobilística. Aplicando um velho adágio nacional, “em casa de ferreiro, espeto de pau”.
A meio caminho entre a oportunidade da denúncia do dirigente alforreca e os sinais enviados por essa mensagem, está a doentia preservação do meio ambiente, mais uma vereda para a imposição de comportamentos. Para liquidar aos poucos a liberdade individual de que vamos abdicando em nome dos dogmas politicamente correctos. Mas quem pode negar razão às acusações do brócolo dirigente, se José Manuel Barroso não dá o exemplo que dele se esperava, como presidente da instituição responsável pelo activismo ambientalista da União Europeia?
Mais importante que a oportunidade da denúncia, é entender o oportunismo da queixa. O dirigente espinafre olhou para o presidente da Comissão, alvo fácil por culpa própria, mas esqueceu-se de apontar o dedo a todos aqueles que cometem o “pecado” de comprar bólides que são sorvedouros de combustível. O dirigente curgete podia denunciar o antigo presidente do Sporting, Dias da Cunha, por guiar ora um Porsche, ora um Subaru Impreza WRX, veículos que consomem mais combustível que o carrão de serviço de José Barroso (um Audi A8, se não me engano). Felizmente, Dias da Cunha deixou de ser presidente do Sporting. Perdeu a visibilidade mediática que fazia dele um alvo de eleição dos ambientalistas, sempre prontos a apontar o dedo a quem passa das marcas nos desmandos ecológicos (ou isso, ou uma solidariedade esverdeada entre o clube que veste de verde e os dirigentes que defendem o verde ambiente…).
A solução é fácil, e encheria de contentamento os apaniguados do ambientalismo: proibir a venda de automóveis que consumam acima de x litros aos 100 quilómetros. Só teriam que derrubar o poderoso lobby das empresas do sector, tarefa menor perante a onda imparável de verde ambientalismo que vem cobrindo o mundo. E porque não levar ao limite a solução? Proibia-se a produção de automóveis novos, esperando que os que circulam fossem sendo abatidos à medida que atingissem o limiar da vida útil. A prazo, o nirvana ambientalista: estradas desertas, diminuição da emissão de gases poluentes para a atmosfera, até consequências colaterais tão agradáveis como a extinção da sinistralidade rodoviária. Um mundo perfeito. Até porque os Estados Unidos já não teriam que arcar com o incómodo das intervenções militares no exterior com mil e um pretextos a encobrirem os interesses do petróleo.
É intrigante como os grelos dirigentes acusam alguém de hipocrisia ambiental e não olham para o próprio umbigo. Protestam contra fulano e sicrano por conduzirem automóveis que são esponjas de gasolina. Lamenta-se que deixem passar em branco as empresas de transportes que usam camiões que gastam cinquenta litros de gasóleo por cada cem quilómetros andados. (E o gasóleo é mais negativo, do ponto de vista de emissões de gases poluentes, que a gasolina.)
Acho que percebi a conexão. Há-de se descobrir que os vegetais dirigentes da causa ambientalista são mercenários encapotados ao serviço do execrável capitalismo. Inevitavelmente, será um excitado seguidor do Prof. Boaventura, votante assíduo do Bloco de Esquerda e agitador da militância anti-globalização, que irá descobrir a pólvora. A bombástica revelação há-de desnudar a realidade: os marcianos dirigentes estão ao serviço do capitalismo, porque só esbracejam contra a arraia-miúda (os condutores de Porsches e afins) quando o crime ambiental é cometido pelas empresas que transportam as mercadorias que disseminam o maldito capitalismo. Contra estes camiões TIR que gastam cinquenta litros aos cem, só um silêncio comprometedor, uma cumplicidade que fala bem alto. Vendilhões do capital, dependentes de vícios pequeno-burgueses, é o que são os esverdeados guardiães do ambiente para consumo doméstico!
Um exercício hipotético: gostava que a intimidade dos arautos do ambientalismo fosse invadida. Para perceber se todos andam de transportes colectivos (e, de preferência, evitando autocarros poluentes); se todos fazem a separação do lixo (nem que para isso tenham que gastar imensa água lavando os plásticos sujos antes de os depositarem no receptáculo correspondente); se aqueles que se deixam invadir pelo comodismo do automóvel, andam em pequenos utilitários com baixo consumo de gasolina; ou até se engrossaram a moda dos automóveis híbridos, que conjugam um motor eléctrico com um motor a combustão, num contributo para um ambiente mais saudável. E gostava, depois, de fazer o balanço dos hábitos dos militantes do ambientalismo. Apostando que, como em tantas coisas na vida, falaria mais alto a divisa “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”.
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