Se dúvidas houvesse, mais uma achega para a clarificação: este é um tempo em que o mérito para nada conta. Impõem-se outros valores, que vingam na artificialidade de soluções que ensaiam igualdades forçadas. O mérito cede lugar às quotas que garantem lugares fixos a pessoas de certo sexo, sem curar de saber se os que ascendem ao Olimpo são os melhores para a função.
O parlamento aprovou a lei que impõe um mínimo de 30% de mulheres quando os partidos formam listas de candidatos a eleições. É uma medida à medida do PS que a aprovou (com o beneplácito da extrema-esquerda – do Bloco de Esquerda), do PS das tergiversações. Porquê 30% e não 50%, se as estatísticas não deixam mentir, se as mulheres são em número superior aos homens? Arrojo temperado pelo temerário partido das meias tintas. Nem o exemplo do lado de lá da fronteira, com a demagógica coragem de Zapatero que formou governo composto por igual número de ministros do sexo feminino e do sexo masculino, inspirou os camaradas rosas deste lado. A tibieza do costume.
(E quando vejo a “ternurenta” Maria de Belém a dar a cara – e o sorriso fastidioso – pela causa, só isso bastava para estar do outro lado da barricada. Quando vejo outra deputada, uma jovem deputada da bancada da maioria, a gabar-se que o PS dá o exemplo porque tem 72% das deputadas do parlamento, apetece-me largar um vómito em cima da deputadazinha. Em vez de brincar aos números, em vez de tentar vender a ilusão estatística, porque não mencionou a percentagem de deputadas dentro do grupo parlamentar do PS? Eu respondo: porque essa percentagem é inferior aos tais 30% que agora foram aprovados por este partido.)
A mania das quotas que garantam artificialmente lugares às mulheres causa-me náuseas. Primeiro, é uma imposição arbitrária do sistema político, dos seus actores, que querem garantir à força uma igualdade, quando as discussões sobre a igualdade de sexos são intermináveis bocejos que levam a lugar algum. Aliás, apenas a ilustração de que a igualdade, como valor, é uma miragem. Quando se tenta forjar qualquer tipo de igualdade, invariavelmente as medidas impostas são parte do problema em vez de serem a solução.
Segundo, as quotas obrigam-nos a pensar que nascemos causticados pelo sexo que a natureza nos atribuiu. Há que o reconhecer, a história foi pródiga na desvalorização da mulher. Agora que esse tenebroso passado foi dobrado, com o suor de muitas feministas e, há que convir, com a tomada de consciência de muitos homens que reconheceram o absurdo de relegar a mulher para um papel subalterno, agora que tudo isto pertence ao passado temos furiosas feministas a expelir insistente insatisfação. Às vezes acredito que estas feministas exacerbadas só se hão-de contentar no dia em que a discriminação positiva que defendem com pundonor seja levada ao extremo, e o sexo masculino passe a sofrer as sevícias que outrora o sexo feminino suportou. A represália, servida na frieza tão típica das vinganças.
Volto ao início do texto: não é o mérito dos seres humanos que conta. É o mundo das soluções estanques, artificiais, que cataloga os seres humanos pelo sexo. Imagine-se um concurso de acesso a um lugar na função pública. A lei impõe uma quota de 50% para mulheres. São admitidos três homens e três mulheres. Devemos ficar satisfeitos se, pela análise objectiva dos currículos dos candidatos, o homem colocado em quinto lugar ficar de fora, mesmo que, outra vez com uma análise objectiva, ele tenha melhor currículo que a mulher classificada em segundo lugar entre as candidatas do sexo feminino? Poucos gostam de passar de cavalo para burro. Já bastam os compadrios que campeiam na política e na administração pública, sancionando a ascensão dos que têm os conhecimentos certos e os fazem funcionar. Dispensava-se mais uma acha para esta fogueira da mediocridade. As causas enfáticas têm estes problemas: perdem-se na irracionalidade da militância.
A discussão estéril da igualdade dos sexos à força de decreto faz-me pensar que a humanidade tem um prazer mórbido da autofagia. Outrora a religião, que tantas guerras nutriu, hoje as diferenças baseadas nos sexos. A culpa será da natureza que nos fez diferentes, homens e mulheres, no sexo que transportamos desde a nascença. Antevejo um futuro sombrio para os exemplares do sexo masculino. Temo que, uma após uma, estejam a colocar as pedras de uma tenebrosa calçada, onde se inscreve o dizer “as mulheres hão-de dominar os homens”. O corolário da vingança feminina.
Pelo caminho, hão-de ser aprovadas quotas que impõem uma percentagem mínima de homens nos trabalhos domésticos, nos infantários, nas lojas que vendem roupa feminina, nas casas de banho das mulheres, enfim (quem sabe?), na própria maternidade (no sentido de dar à luz). A menos que a sensatez vingue e se conclua que a discussão da igualdade dos sexos é um não-assunto.
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