13.4.06

Os (não) limites da imaginação humana


A imagem de ovelhas vestidas com uma capa azul faz lembrar as madames que encasacam os cãezinhos quando os passeiam, rua fora, no agreste frio invernal. Ou os cavalos de puro-sangue treinados para triunfar provas de hipismo. Também os equídeos têm direito a fatiota aprumada. Insólito é pensar num rebanho de ovelhas que carrega roupagem vistosa. As ovelhas não estão no mesmo patamar de garbo dos puddles e caniches das dondocas, ou dos cavalos que merecem tratos de polé de entusiastas do hipismo.

Na Holanda, país da mudança, o estatuto das ovelhas está a mudar. Começam a rivalizar com canídeos e equídeos de costas quentes pela fatiota trajada. Não que as ovelhas tenham ascendido na escala social, ao lugar de animais de companhia (privilégio dos cães). Nem foi descoberto desporto onde as ovelhas são protagonistas (como acontece com cavalos pagos a preço de ouro). Os ovinos passaram a merecer resguardo por imperativos da publicidade.

Na notícia do Público que funcionava como legenda desta fotografia estava a informação de que também as vacas começam a merecer a preferência dos publicitários. Quem circular numa estrada holandesa não se admire se der de caras com ovelhas ou vacas trajando fatiotas com dísticos alusivos a uma empresa que aceitou embarcar na inovativa forma de publicitar. Os condutores podem ser apanhados de surpresa, podem mesmo esfregar os olhos pensando que estão entorpecidos, que entraram no período das miragens. É mesmo verdade: as ovelhas e as vacas holandesas servem de veículos publicitários enquanto ruminam a erva mordiscada nos verdes pastos dos Países Baixos.

Já estou a adivinhar os arautos do anti-capitalismo, braço dado com os defensores dos direitos dos animais, no uníssono vitupério da imaginativa publicidade. Dirão que hoje tudo vale para levar os consumidores no engodo. Acusarão as agências de publicidade de serem os insidiosos agentes de uma globalização que se apodera de nós, por todos os poros. Hão-de denunciar a manobra, vendo nela o expoente da alienação em que os consumidores são venenosamente convidados a embarcar quando se deixam seduzir pelas mensagens publicitárias.

Os amigos dos animais hão-de estar na linha da frente dos protestos. Reclamando contra o grotesco da publicidade adejando animais no remanso dos pastos. Dirão, é uma manobra que humilha os animais. Que já bastava a bestialidade humana, que alimenta a esperança de vida das reses, não imaginando elas que num funesto dia hão-de ser sacrificadas no matadouro para mais tarde os despojos dos seus cadáveres serem servidos em opíparas refeições. Não bastava a desdita que se abateu sobre estas espécies, agora são obrigadas a levar uma vida patética, ostentando o vestuário ridículo, cores berrantes, para captar a atenção de potenciais destinatários dos produtos publicitados. As reses no extremo da coisificação.

Quem assim lavrar protestos é alma emparedada na sua pequenez. Alma que desvia o olhar de um dos atributos mais nobres da espécie humana: a imaginação. Foi a imaginação fértil que gerou artistas nas mais variadas artes. A publicidade, sem curar de rivalizar com as sete artes, é um domínio de eleição para o exercício da imaginação humana. Onde ela tem importante tirocínio. E como evoluímos em razão directa da prodigalidade da imaginação, é só aplausos que se soltam quando exemplos como este são trazidos ao conhecimento.

Aniquilar a imaginação é embrutecer a humanidade. Condená-la a uma vegetativa forma de vida. A modalidade hodierna de obscurantismo. Onde, decerto, afocinham com prazer os paladinos da alter-globalização e coisas quejandas. E se até os árbitros de futebol já funcionam como veículos de publicidade (os equipamentos perderam a monocromia e ganharam a vivacidade colorida dos dísticos de empresas pregados nas camisolas negras), porque estranhar as vestes publicitárias que escondem a nudez de ovinos e bovinos? Acaso uma ovelha é menos que um árbitro?

Já era conhecimento adquirido: bovinos e árbitros de futebol estavam no mesmo patamar, a julgar pelos impropérios pouco simpáticos para as progenitoras dos árbitros de futebol (avacalhadas na sua existência) e para os próprios árbitros, quando os adeptos denunciam a condição de maridos traídos pelas legítimas caras metade. Se árbitros e bovinos estão irmanados como veículos de publicidade, seria discriminatório negar a condição aos ovinos. Por cá, nas zonas montanhosas da Serra da Estrela e de Trás-os-Montes, germina um movimento de protesto entre os caprinos: não querem ficar à margem desta moda.

Sem comentários: