Uma personagem que se confunde com um erro histórico falhou por pouco a reeleição para a presidência do Brasil. Contristado, apareceu na televisão a confessar: “quem não gostaria de ser eleito logo à primeira volta?” Pergunto-me se vontade não lhe falta para dispensar a maçada das eleições. Como lídimo representante da gesta dos homens providenciais – a auto-avaliação que faz de si mesmo – o povo teria nele o homem certo para se perpetuar no poder.
A emergência do cefalópode personagem excitou uns e irritou outros. Como metalúrgico que fez carreira no sindicalismo, embeveceu certas franjas das esquerdas que sempre se entregaram de olhos fechados nos braços de qualquer coisa que ressoasse a lirismo. Era o povo que chegava ao poder, finalmente, depois de tanta perseverança acumulada na sequência de derrotas e mais derrotas. Para outros, um ex-comunista no poder é um perigo público. Alguns resquícios da formatação comunista terão permanecido. A irritação subia de tom na exacta proporção da excitação que as esquerdas mostravam, sobretudo as órfãs de referências com a derrocada do comunismo.
Para as esquerdas, a personagem com nome de cefalópode trouxe uma nova esperança. Seria o refrescamento da política mundial, o exemplo a partir do distante Brasil. No rescaldo do mandato, desencantaram-se quase todos. Ou pela corrupção que continua, endémica, a grassar por aquelas terras tropicais. Ou pela decepção das políticas adoptadas, uma concessão ao tenebroso neo-liberalismo, a negação das promessas que haviam semeado tanta esperança nos brasileiros e nos cidadãos do mundo carentes de um novo paradigma que mudasse os ventos fétidos do capitalismo empedernido.
O homem foi-se tornando cada vez mais providencial. E imune aos escândalos que, fosse ele de outra extracção política, bastavam para o trazer para os areópagos internacionais como exemplo da censura global. As histórias de corrupção passavam-se debaixo do seu nariz, com o grupo de fiéis que o escoltavam. Debaixo do seu nariz, onde a vista não alcança. O cefalópode personagem faz lembrar a mulher traída pelo marido: é sempre a última a saber. E lá foi ele, escapando aos escândalos, como se fosse possível ser tanto tempo enganado por tanta gente em quem depositava tanta confiança.
Há coisas que convêm aos que se empenharam na construção de um mito. Os que se embeveceram com a ideia de um ex-metalúrgico sem instrução chegar ao cargo mais elevado do Brasil estão sempre dispostos a estender o tapete do perdão. A culpa mora ao lado, não no inocente cefalópode que, coitado, andou tanto tempo mal aconselhado por uma corja de corruptos que se locupletaram através das sinecuras a que deitaram mão. Ninguém reparou que o calibre de um político também se avalia pelas pessoas de que se rodeia. Ou então apenas significa que as pessoas da sua entourage eram os manobradores maquiavélicos e a cefalópode figura presidencial uma simples marioneta ao serviço de interesses inconfessáveis.
Há quem denuncie a personagem como apedeuta que, fosse este um mundo normal, jamais teria a possibilidade de assumir o protagonismo que se conhece. Francamente, não é argumento que me convença. Pois se há coisa mais natural – no Brasil como em todo o lado – é um povo ignaro ser sensível à escolha de um de entre os seus. O que parece incompreensível? Que após todos os escândalos, a aura de irrepreensibilidade, a imagem de auto-endeusamento, a intolerância democrática de quem se recusou a participar nos debates televisivos com os outros candidatos – após tudo isto, cerca de metade do eleitorado ainda deposite o voto na personagem cefalópode. Alguém disse que a democracia é um regime perfeito? O povo tem o que merece, o povo escolhe à sua medida.
Talvez a quase reeleição à primeira volta do cefalópode candidato envie um sinal claro dos valores que regem uma larga maioria: muita gente fechou os olhos aos escândalos de corrupção que mancharam a estadia da personagem em Brasília. Para essa gente, houvesse a oportunidade e fariam o mesmo. É a institucionalização da corrupção. Num país normal o presidente cefalópode nem teria terminado o mandato, acaso tivesse um pingo de vergonha e não estivesse mergulhado em tanta ignorância. Não há surpresa no desfecho dos acontecimentos: afinal, depois de tantas derrotas, depois de tantas promessas de uma salvífica personagem para as esquerdas mundiais desencantadas com o curso dos acontecimentos, o cafalópode não podia entregar o poder de mão beijada.
1 comentário:
Num país em que um Presidente que foi impeached (Collor de Melo) foi eleito Senador, em que um antigo Prefeito (que ironia) que esteve preso por uso de fundos públicos, teve a maior votação para o Senado, não será de espantar que uma lula escape impune no meio de tantos polvos.
Mais espantosa é a desfaçatez com que ele (o Lula) veio dizer que agora ia fazer uma campanha a sério e verdadeira!?! O que é ele esteve então a fazer até agora? A gozar com o povão!
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