2.3.07

Al Gore, a Honda e o ambiente que volta a estar na moda



Quando se parte em busca dos lugares onde a demagogia habita, o ambiente arpoa o campeonato. Se hoje alguém quer tocar bem fundo na sensibilidade humana, basta desfiar o rosário dos atentados ambientais e de como a humanidade se encaminha para um beco sem saída se nada for feito para proteger o meio ambiente. Para quem aspira a compor a imagem perante o público, ser advogado de defesa do ambiente é um manancial inesgotável.

Aquele que se apresenta como o ex-futuro presidente dos Estados Unidos – Al Gore – é o novo cruzado do ambientalismo. Já o era, de forma mais tímida, enquanto vice-presidente de Clinton. Como é novo para ser encerrado no bastião dos reformados da política, e como político que se preze não engavetou as ambições pessoais, Gore deu a cara por um documentário que apresenta o estado lastimável do meio ambiente. De como a humanidade tem espezinhado o ambiente, sem perceber que cada atentado cava mais fundo a cova que anuncia um futuro medonho para o planeta. Gore tem-se desdobrado num périplo cansativo, proferindo conferências secretas (só para um público seleccionado de “ilustres”, sem a presença da comunicação social ou do povo rasteiro que esteja interessado). Até já teve direito a figurar ao lado das estrelas de cinema de Hollywood, presenteado com um Óscar para o melhor documentário.

Ponto de ordem: não me é indiferente a preservação do meio ambiente. Esforço-me, nos comportamentos quotidianos, por dar um contributo singelo: a separação do lixo, a metódica poupança de água, o jornal diário que leio em formato digital (modesto contributo para salvar árvores), as pilhas colocadas no pilhão – eis uma amostra de actos amigos do ambiente que, de repente, me ocorre. Já sou pouco sensível aos militantes devotos do ambientalismo. É uma causa que arregimenta fidelidades caninas, onde se acantona uma das expressões do fundamentalismo contemporâneo. E alguns dos arautos do ambientalismo servem-se da sensibilidade da causa em proveito próprio. Os ingénuos que aplaudem, servis e cegos, as verdades convenientes dos guardiães do ambiente caem no engodo sem darem conta.

O frenesim de Al Gore pelo ambiente deixa-me um oceano de suspeitas pela frente. Há muitos aspectos que não batem certo no sacerdócio ambiental do algures no futuro novamente candidato à presidência dos Estados Unidos. Como pode um monástico defensor do ambiente – depois de traçar um diagnóstico dantesco, depois de dar uma lição de moral que indica os comportamentos censuráveis no plano ambiental – mostrar o contrário do que apregoa? Dois exemplos: viaja num avião privado e, quando chegou a Portugal, fez-se deslocar num automóvel topo de gama que é tudo menos poupado no consumo de combustível. Saber que os políticos são mestres na arte da retórica, que aplicam todos os dias o princípio “olha para o que eu digo, não para o que eu faço”, não é novidade. Os que consentem a cilada, os que acenam concordantemente porque é de bom-tom aplaudir as profecias de Gore, estão no seu direito à ingenuidade. Porventura desconhecem a agenda de longo prazo: o calendário não é adequado à ressuscitação das ambições presidenciais de Gore, agora que a ex-presidenta quer regressar ao cargo. Fica para mais tarde. Entretanto vai cimentando o seu estatuto de super estrela de uma das causas politicamente correctas, com a augusta complacência da audiência.

Recentemente deparei com outro exemplo de absurda demagogia ambientalista: a Honda inovou na decoração do seu monolugar de Fórmula 1, cobrindo a carroçaria com uma fotografia do globo terrestre. A explicação vem de seguida: a Honda está muito preocupada com a degradação ambiental. Quer contribuir para mudar hábitos, na educação para o ambiente. Convenceu os seus patrocinadores a prescindirem do espaço onde habitualmente colocam autocolantes alusivos contra ao pagamento da verba que dá direito à publicidade. É uma espécie de mecenato ambiental. A encenação vai mais longe. Há um site (www.myearthdream.com) onde qualquer pessoa pode fazer donativos que revertem a favor de organizações de promoção do ambiente saudável. Com a garantia de que o nome do filantropo ambiental irá aparecer na carroçaria de um bólide que consome 75 litros por cada 100 quilómetros percorridos.

Quando o filantropo está a meio do processo de doação em prol da causa ambiental, o site convida-o a escolher uma das mensagens pedagógicas que alerta para hábitos condizentes com as boas práticas ambientais. A escolha é variada: “partilho o meu carro; evito voos desnecessários; instalei pelo menos três lâmpadas de baixo consumo; utilizo os transportes públicos; desloco-me a pé ou de bicicleta; diminuo um grau centígrado a temperatura do termóstato; deixo de passar a ferro; não deixo os electrodomésticos em standby ou o telemóvel a carregar desnecessariamente; lavo a roupa a 30 graus; não deixo a água a correr enquanto lavo os dentes; reciclo todo o papel; mudei para um fornecedor de energia renovável”.

Atitude louvável, decerto. Mas fico atónito por partir de uma empresa que participa num desporto que consome tanto combustível. O que não percebo é a incoerência, tanto mais que este é o meu desporto favorito. A campanha faz tanto sentido como vermos um fanático da pesca desportiva apoiar as decisões das autoridades da União Europeia que restringem o acesso aos bancos de pesca. O ambiente é o altar onde a demagogia em estado puro é esposada. Al Gore e a Honda são os exemplos mais recentes.

2 comentários:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Estou de acordo. Fez-me lembrar aquele exercício folclórico e bacoco do "Dia Europeu sem Carros", em que alguns exibiam as suas excentricidades, outros arrancavam os cabelos em filas intermináveis e jornalistas babados entrevistavam pomposos presidentes de Câmara.
Hipocrisia - muita.
Resultados - nulos.
P.S. This notwithstanding, the F1 Honda looks very pretty.
P.P.S. I don't believe (and I hope) Gore will ever get to live in the White House.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Estou de acordo. Fez-me lembrar aquele exercício folclórico e bacoco do "Dia Europeu sem Carros", em que alguns exibiam as suas excentricidades, outros arrancavam os cabelos em filas intermináveis e jornalistas babados entrevistavam pomposos presidentes de Câmara.
Hipocrisia - muita.
Resultados - nulos.
P.S. This notwithstanding, the F1 Honda looks very pretty.
P.P.S. I don't believe (and I hope) Gore will ever get to live in the White House.