Compreende-se que a publicidade seja à medida do público-alvo. Por exemplo, os anúncios a detergentes costumam primar pela imbecilidade, fazendo da dona de casa uma senhora embrutecida pelas lides domésticas. (E eis que, de repente, me ocorre explicação para o comentário do infalível Mário Soares a propósito do discurso de Nicole Fontaine, que o tinha derrotado na “eleição” para a presidência do Parlamento Europeu: com a delicadeza que lhe é conhecida, sentenciou que a oratória era própria de uma dona de casa.)
Os exemplos de publicidade pimba não se restringem ao ramo dos detergentes. Acossam outros domínios, que os publicitários não acordam todos os dias mergulhados em criatividade, e que os há cultores do cavernoso mau gosto. O governo contrata publicidade e cuida da propaganda. Normalmente andam de braço dado: publicita as pérolas lusitanas, sobretudo para captar os estrangeiros que por cá podem deixar uns tostões valentes; de caminho, a publicidade é o mostruário do diligente governo dotado de visão estratégica para fazer as apostas certas, benzidas com a facúndia dos publicitários.
À semelhança dos publicitários, também há no governo quem seja pródigo no juízo anti-estético. Ou isso, ou pura distracção. Resta uma terceira hipótese, do agrado dos cultores da teoria da conspiração, daqueles que receiam pela diluição da portugalidade: os funcionários do ministério da economia que passaram os olhos pela campanha publicitária que promove o Algarve estão mancomunados com interesses inconfessáveis que são inimigos da pátria. Senão, como entender o slogan “Allgarve”?
Há, neste mundo, os inteligentes e os que se ficam pela esperteza saloia. E os mais ignorantes de todos: aqueles que não se apercebem como são lastro da pantanosa ignorância e acham que são lustrosas personalidades a quem tanto devemos. Pressinto que os arquitectos da campanha “Allgarve” e os mandantes, quem no ministério da economia encomendou a obra, devem andar lá perto. Imagino-os, publicitários e mandantes, deliciados com a imaginativa descoberta: “Allgarve”, na engorda de um “l” que a região ganhou.
A transformação do nome algarvio, que já motivou exaltados protestos de desassossegados nativos, tresanda ao pior mau gosto que se pode conceber. Mistura-se tudo com uns grãos de esperteza saloia: o “all” que precede o “garve” é o étimo que traduz “todos” para português. Este “all” é inclusivo. Possibilita a campanha virada para dentro e para o estrangeiro. Cá dentro, somos “all” “garvios”, porque o turismo que se espraia lá para o sul é sedutora fonte de divisas que enriquece o país. Lá fora, impinge-se aos destinatários a ideia de que são “all” bem-vindos aos campos de golfe, às praias onde ficam cor de lagosta, aos clubes nocturnos onde agravam cirroses e aos braços do Sr. José Camarinha.
Diria que a pincelada de língua inglesa que adorna a metamorfose do Algarve é uma insólita colonização às avessas. Como se fosse possível o globo girar no sentido contrário da sua órbita, agora convidamos os outros a entrar e a serem reis e senhores de nós mesmos. Outrora conquistadores de mares e mundos, agora resignados à pequenez que nos remete para a condição de conquistados. O “Allgarve” faz-me lembrar a rameira sempre de pernas bem escancaradas, pronta a satisfazer o cliente pagante, sem tugir nem mugir. É o Algarve no seu pior: enxameado por turismo de quarta classe, com a ralé operária, do campesinato ao suburbano, que fala alto e polui a paisagem com a sua presença. O Algarve das ementas em não-sei-quantas-línguas-menos-o-português. O Algarve tão acolhedor para os turistas e, logo a seguir, tão diligente em aldrabá-los nos trocos quando vão às compras ao supermercado.
Ser-se publicitário deste jaez é tarefa fácil. Faz lembrar aquelas poesias baratas de rima previsível. Apostar no “Allgarve” é teimar em fazer um turismo de massas, popular, sem qualidade. Uma imagem triste do turismo, à imagem de um país tristonho, enfadonho. Ver o “Allgarve” como barriga de aluguer onde nidificam hordas de hooligans e adereços familiares é fazer da região a Carcavelos de muitos europeus. Elitismo? Decerto a única saída para o turismo, enquanto válvula de escape que ampara a economia nacional. Adulterar o nome do Algarve para atrair as hordas parece uma capitulação inútil. Curiosamente, por onde Portugal concluiu a fixação das fronteiras há-de ser por onde começa a desanexação territorial. Falta saber se o ministério da economia, em parceria com o dos negócios estrangeiros, vai comunicar às instituições da União que doravante Algarve se passa a chamar “Allgarve”.
Esta publicidade pimba não é fautora de “all” garbo. E podemos teimar na manipulação das letras que compõem o nome Algarve. Se o “g” cair, temos diante dos olhos a descrição de quem assinou por baixo esta lamentável campanha publicitária: alarve.
Os exemplos de publicidade pimba não se restringem ao ramo dos detergentes. Acossam outros domínios, que os publicitários não acordam todos os dias mergulhados em criatividade, e que os há cultores do cavernoso mau gosto. O governo contrata publicidade e cuida da propaganda. Normalmente andam de braço dado: publicita as pérolas lusitanas, sobretudo para captar os estrangeiros que por cá podem deixar uns tostões valentes; de caminho, a publicidade é o mostruário do diligente governo dotado de visão estratégica para fazer as apostas certas, benzidas com a facúndia dos publicitários.
À semelhança dos publicitários, também há no governo quem seja pródigo no juízo anti-estético. Ou isso, ou pura distracção. Resta uma terceira hipótese, do agrado dos cultores da teoria da conspiração, daqueles que receiam pela diluição da portugalidade: os funcionários do ministério da economia que passaram os olhos pela campanha publicitária que promove o Algarve estão mancomunados com interesses inconfessáveis que são inimigos da pátria. Senão, como entender o slogan “Allgarve”?
Há, neste mundo, os inteligentes e os que se ficam pela esperteza saloia. E os mais ignorantes de todos: aqueles que não se apercebem como são lastro da pantanosa ignorância e acham que são lustrosas personalidades a quem tanto devemos. Pressinto que os arquitectos da campanha “Allgarve” e os mandantes, quem no ministério da economia encomendou a obra, devem andar lá perto. Imagino-os, publicitários e mandantes, deliciados com a imaginativa descoberta: “Allgarve”, na engorda de um “l” que a região ganhou.
A transformação do nome algarvio, que já motivou exaltados protestos de desassossegados nativos, tresanda ao pior mau gosto que se pode conceber. Mistura-se tudo com uns grãos de esperteza saloia: o “all” que precede o “garve” é o étimo que traduz “todos” para português. Este “all” é inclusivo. Possibilita a campanha virada para dentro e para o estrangeiro. Cá dentro, somos “all” “garvios”, porque o turismo que se espraia lá para o sul é sedutora fonte de divisas que enriquece o país. Lá fora, impinge-se aos destinatários a ideia de que são “all” bem-vindos aos campos de golfe, às praias onde ficam cor de lagosta, aos clubes nocturnos onde agravam cirroses e aos braços do Sr. José Camarinha.
Diria que a pincelada de língua inglesa que adorna a metamorfose do Algarve é uma insólita colonização às avessas. Como se fosse possível o globo girar no sentido contrário da sua órbita, agora convidamos os outros a entrar e a serem reis e senhores de nós mesmos. Outrora conquistadores de mares e mundos, agora resignados à pequenez que nos remete para a condição de conquistados. O “Allgarve” faz-me lembrar a rameira sempre de pernas bem escancaradas, pronta a satisfazer o cliente pagante, sem tugir nem mugir. É o Algarve no seu pior: enxameado por turismo de quarta classe, com a ralé operária, do campesinato ao suburbano, que fala alto e polui a paisagem com a sua presença. O Algarve das ementas em não-sei-quantas-línguas-menos-o-português. O Algarve tão acolhedor para os turistas e, logo a seguir, tão diligente em aldrabá-los nos trocos quando vão às compras ao supermercado.
Ser-se publicitário deste jaez é tarefa fácil. Faz lembrar aquelas poesias baratas de rima previsível. Apostar no “Allgarve” é teimar em fazer um turismo de massas, popular, sem qualidade. Uma imagem triste do turismo, à imagem de um país tristonho, enfadonho. Ver o “Allgarve” como barriga de aluguer onde nidificam hordas de hooligans e adereços familiares é fazer da região a Carcavelos de muitos europeus. Elitismo? Decerto a única saída para o turismo, enquanto válvula de escape que ampara a economia nacional. Adulterar o nome do Algarve para atrair as hordas parece uma capitulação inútil. Curiosamente, por onde Portugal concluiu a fixação das fronteiras há-de ser por onde começa a desanexação territorial. Falta saber se o ministério da economia, em parceria com o dos negócios estrangeiros, vai comunicar às instituições da União que doravante Algarve se passa a chamar “Allgarve”.
Esta publicidade pimba não é fautora de “all” garbo. E podemos teimar na manipulação das letras que compõem o nome Algarve. Se o “g” cair, temos diante dos olhos a descrição de quem assinou por baixo esta lamentável campanha publicitária: alarve.
1 comentário:
A conclusão é arrasadora! Dispensa mais comentários!
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