Sobressaltos interiores. Os caminhos tortuosos percorridos vêm depois dos erros, sempre lamentados como se houvesse lugar a recuar no tempo para o apagar das memórias. Só para que os remorsos não embatam aos gritos contra o peito aberto em ferida. Os lamentos não são a terapia desejada. Só lançam mais sal nas feridas abertas, calcinando-as, numa dor que cresce, insuportável.
No altar dos lugares-comuns que enchem os ouvidos, como se fossem código de conduta inadiável, diz-se que é preferível lamentar os erros do que as oportunidades perdidas. A ousadia, misturada com a ambição típica da natureza humana, explica o archote que, mandam as convenções, é a candeia que alumia o caminho sem retorno. O lamento existe para atenuar as dores da alma que desfraldam os fogos lancinantes de cada vez que a ambição subiu tão alto que esbarrou no vazio do precipício que acama o corpo em queda livre. É o que sobra: diante do erro, um lamento. Um choro interior que colhe a auto-comiseração pelos passos trocados que foram frustração de planos anteriores.
Às vezes, o que se lamenta é um acaso. Acidente de percurso que chega, aleatório, semeando angústia e dissabores. Logo de seguida abrem-se as portas para a lamentação, na imprevidente autoflagelação que convoca a piedade alheia que vem aspergir fragmentos de solidariedade que aquietam as dores interiores. Quando o lamento é um apelo exterior, é do empobrecimento da alma que se trata. Há nesse clamor a carência da tutela dos outros, numa piedade que é um inconsequente pedido de partilha pelas dores do erro cometido, ou do infortúnio suportado. Dá-se o milagre do lamento levar à comiseração, como se a piedade dos outros varresse da memória os erros de que os outros não são responsáveis. E assim a lamentação fermenta a desresponsabilização do eu.
E, no fundo, o lamento nada resolve. Não corrige o erro, não revolve o tempo ido. O lamento não tem o predicado estalinista de refazer os passos já dados. De cada vez que nos entregamos na voragem da lamentação, há um mergulho nas águas profundas onde o eu se demite de si. O lamento é atirar a responsabilidade pelos actos para as catacumbas do desconhecido. As pedras pontiagudas que ferem os pés foram espalhadas pelo caminho por algo de insondável; nunca terão sido semeadas pelo livre arbítrio de quem escolhe um caminho e depois chora o arrependimento de não ter ido pelo outro lado da encruzilhada. É por isso que o lamento é um acto menor de espíritos comprometidos com sucessivos pretextos que trazem o sabor agridoce da desculpabilização. A tentação da desresponsabilização fala mais alto.
Quando o lamento espreita entre as frinchas que escondem a luminosidade serena, é o regresso à infância da irresponsabilidade. A cada lamentação há a exculpação pelos actos cometidos – como se eles jamais houvessem sido cometidos, ou se fosse urgente descobrir pretextos para não suportar as consequências. Na choradeira sem lágrimas que escorre pela lamentação rançosa há mesquinhez, a antítese da altivez de quem não se esconde dos actos cometidos. Os lamentos são o espelho baço onde se esconde a desvergonha de quem não respeita as consequências dos actos cometidos. A petulância que sepulta o que foi feito, com o condão de redesenhar o tempo já passado, de o atrelar apenas a uma melodia agradável, sem as notas distorcidas que são o alçapão onde tombam e de onde se choram os lamentos que mais parecem uivos de cães desafortunados.
À volta dos lamentos, um ruidoso olhar pela penumbra onde está escondida a negação dos actos cometidos. A doce ilusão de que as coisas foram diferentes do que mostra a dolorosa realidade. Um teatro de sombras, onde desfilam personagens que trazem a culpa endossada pelos que se lamentam, pelos que nunca são culpados pelos actos que cometem. É então que a lamentação sobra como último reduto. O último reduto que disfarça o que foi feito.
No altar dos lugares-comuns que enchem os ouvidos, como se fossem código de conduta inadiável, diz-se que é preferível lamentar os erros do que as oportunidades perdidas. A ousadia, misturada com a ambição típica da natureza humana, explica o archote que, mandam as convenções, é a candeia que alumia o caminho sem retorno. O lamento existe para atenuar as dores da alma que desfraldam os fogos lancinantes de cada vez que a ambição subiu tão alto que esbarrou no vazio do precipício que acama o corpo em queda livre. É o que sobra: diante do erro, um lamento. Um choro interior que colhe a auto-comiseração pelos passos trocados que foram frustração de planos anteriores.
Às vezes, o que se lamenta é um acaso. Acidente de percurso que chega, aleatório, semeando angústia e dissabores. Logo de seguida abrem-se as portas para a lamentação, na imprevidente autoflagelação que convoca a piedade alheia que vem aspergir fragmentos de solidariedade que aquietam as dores interiores. Quando o lamento é um apelo exterior, é do empobrecimento da alma que se trata. Há nesse clamor a carência da tutela dos outros, numa piedade que é um inconsequente pedido de partilha pelas dores do erro cometido, ou do infortúnio suportado. Dá-se o milagre do lamento levar à comiseração, como se a piedade dos outros varresse da memória os erros de que os outros não são responsáveis. E assim a lamentação fermenta a desresponsabilização do eu.
E, no fundo, o lamento nada resolve. Não corrige o erro, não revolve o tempo ido. O lamento não tem o predicado estalinista de refazer os passos já dados. De cada vez que nos entregamos na voragem da lamentação, há um mergulho nas águas profundas onde o eu se demite de si. O lamento é atirar a responsabilidade pelos actos para as catacumbas do desconhecido. As pedras pontiagudas que ferem os pés foram espalhadas pelo caminho por algo de insondável; nunca terão sido semeadas pelo livre arbítrio de quem escolhe um caminho e depois chora o arrependimento de não ter ido pelo outro lado da encruzilhada. É por isso que o lamento é um acto menor de espíritos comprometidos com sucessivos pretextos que trazem o sabor agridoce da desculpabilização. A tentação da desresponsabilização fala mais alto.
Quando o lamento espreita entre as frinchas que escondem a luminosidade serena, é o regresso à infância da irresponsabilidade. A cada lamentação há a exculpação pelos actos cometidos – como se eles jamais houvessem sido cometidos, ou se fosse urgente descobrir pretextos para não suportar as consequências. Na choradeira sem lágrimas que escorre pela lamentação rançosa há mesquinhez, a antítese da altivez de quem não se esconde dos actos cometidos. Os lamentos são o espelho baço onde se esconde a desvergonha de quem não respeita as consequências dos actos cometidos. A petulância que sepulta o que foi feito, com o condão de redesenhar o tempo já passado, de o atrelar apenas a uma melodia agradável, sem as notas distorcidas que são o alçapão onde tombam e de onde se choram os lamentos que mais parecem uivos de cães desafortunados.
À volta dos lamentos, um ruidoso olhar pela penumbra onde está escondida a negação dos actos cometidos. A doce ilusão de que as coisas foram diferentes do que mostra a dolorosa realidade. Um teatro de sombras, onde desfilam personagens que trazem a culpa endossada pelos que se lamentam, pelos que nunca são culpados pelos actos que cometem. É então que a lamentação sobra como último reduto. O último reduto que disfarça o que foi feito.