20.11.07

Quem inventou o ódio?


Há tortura de cada vez que vejo derramado ódio, visceral ou não. Ódio em estado puro que destila a violência, ou a exclusão, às vezes a morte sem significado – como sempre a morte é destituída de significado. Outras vezes sinto a suprema ignomínia do ódio, quando é excitado apenas pelo lúdico prazer.

Ainda aprisionado às correntes do pessimismo antropológico, por ver que a história da humanidade é um longo cortejo de ódios que acentuam o lado negativo das gentes. A contemplação autodestrutiva: é que o ódio pelo outro é uma exibição perene de autofagia. Quem derrama todo o ódio não percebe como vem ao de cima uma repugnante essência. Não me consigo convencer do contrário: quem odeia é odioso. Possuído de vapores malignos que incendeiam a mente em pavorosos cenários, à mistura com delirantes teorias da conspiração que mostram um tormento interior.

Há laivos de ódio em manifestações que ainda não atingiram esse patamar. A vingança, por exemplo. A urgência de não deixar sem resposta actos que ferem alguém. De preferência com uma reacção ainda mais requintada, ou não houvesse o reino dos lugares-comuns convencionado a vingança que se serve fria. Como se fosse um punhal que penetra o dorso enregelado, logo tomando o corpo com uma dor lancinante que, num instante, passa do frio gélido a uma quentura insuportável. Como insuportável é a vingança, um rasteiro sentimento que amesquinha e derrota os vingativos que ficam reduzidos a uma pequenez nem simbólica. A muita vingança praticada é o terreno semeado para que vingue um ódio interminável.

O pior é que a vingança é sacralizada. Em mensagens subliminares. Fazem-na, a rodos, os governantes. Livros e filmes e peças de teatro que são manuais da arte de bem praticar a vingança. Até episódios que parecem insignificantes, como um anúncio publicitário que, a coberto dos encómios a um certo produto, vangloria a vingança. O pior é o convite à entronização destes sedimentos frívolos, como se fossem um necessário código de conduta para a convivência em sociedade. Diria, mais do que para a convivência, para a sobrevivência. Quem quiser escapar aos tentáculos da vingança, como pretexto para não cair no insidioso ódio que tortura a carne, tomba no alçapão da ingenuidade. São as vítimas preferidas dos que trepam escada acima sem olhar a quem calcam.

A metafísica encerra a sua contradição. Como pode um deus, um deus qualquer, ser complacente com o ódio? Como convive um deus, um qualquer deus, com as malfeitorias de que é testemunha, a cada minuto que passa, impotente para as liquidar? Na sua putativa grandeza, o arquitecto da natureza dos Homens é incapaz de os domar, de impedir que resvalem pelo cano do esgoto onde se perde a sua dignidade. E não apenas a dignidade dos humanos, mas a sapiência do deus maior que sucumbe às mãos da maldade que incendeia o ódio dos Homens. O ódio é apenas uma distracção divina? Ou a prova da sua ausência.

Dizia atrás que a História dos Homens está repleta de um cortejo de ódios, numa trajectória autodestrutiva. Os que discordem do cepticismo militante dirão que mais valiosas são as provas de edificação, tudo o que foi construído pela espécie humana. Que é esse lastro que se sobrepõe aos incessantes actos de indignidade perfumada pelo ódio nutrido pelos Homens. Discordo. A natureza das coisas ensina que o que leva tanto tempo e edificar pode ser derrubado num instante. É esse o poder irrefutável do ódio. Maligno, com uma capacidade destrutiva inigualável. Onde o ódio toca com a sua mão envenenada, raramente ficam fragmentos que revejam a reconstrução do que foi derrubado. Há no ódio a devastação radioactiva que consome tudo em redor, nada deixa de pé, desertifica por longos anos, espalha doenças mortais sem cura conhecida. É um percurso sem retorno. A cada passo dado, o veneno ácido derramado mortifica os alvos do ódio.

Mas o pior do ódio é que nele se consome quem o destila, como se houvesse uma bílis que derretesse as entranhas até que nada restasse para testemunhar a consumição final. O mal, mesmo, é que através do ódio entra-se na universidade onde se aprende a vomitar a sua própria morte.

2 comentários:

:) disse...

Nuuus...
Ódio é água que molha sem molhar
é cegueira que enxerga mas não se vê
é uma felicidade de um infeliz porquê
é prazer em dor por não poder amar

É um querer muito o que não se quer
é ficar só por não ganhar o coração
é negar o bater sentido do querer
é ganhar nada por perder a razão

É desejar um desejo indesejado
é servir um prato frio de sal e sódio
é ser odioso por não ter amado

Mas como pode causar lugar no pódio
de um fado tão triste e malfadado
se tão semelhante a si é esse ódio?

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mais pra que serve ??? afinal ??




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adoreei o blog ;)

Anónimo disse...

Não sei de onde vem o ódio, nem sei pra onde ele vai...
Mas quando sinto ele no meu coração me dá vontade de pegar o desgraçado do meu namorado e jogar ele na privada...
MORAL DA HISTÓRIA:
Esqueci de puxar a descarga ai ele volta!!!