Riqueza semântica, ou apenas a influência do jogo da bola, tão sacralizado na santa terrinha? Escutava o noticiário na rádio. Havia denúncias à batota que o governo está a ensaiar para que a meta do défice orçamental seja cumprida. O truque é apertar com as cobranças de impostos atrasados. O director-geral, rapaz de bons ofícios para o mister propagandístico do regime, terá dado instruções para os funcionários das finanças se concentrarem na cobrança destas dívidas. É que o cobertor está curto e o frio (o risco de defraudar promessas tão enfatizadas) aperta.
Foi então que um deputado do CDS, com voz tão arrastada que até dava sono, quebrou o tom monocórdico e teve uma tirada de mestre (para quem achar que a originalidade se mede pela bitola do “desporto rei” – passe o lugar-comum). Acusou o governo de estar a “entrar a pés juntos” sobre o contribuinte. Ora as entradas a pés juntos têm sanção de cartão amarelo. Aliás, a federação internacional, preocupada com a integridade física das vítimas destas entradas, instruiu os árbitros para puxarem do cartão vermelho.
Pode dar-se o caso dos contribuintes driblarem os cobradores de impostos. Os mais capazes hão-de puxar lustro à veia imaginativa e descobrem fugas lícitas aos impostos. E assim o dinheiro ganha asas e aterra em paraísos fiscais, para desespero dos tacanhos cobradores de impostos caseiros, a quem o tapete escorrega debaixo dos pés, contristados com uma mão vazia e outra cheia da mesma coisa. Os menos aptos, e que ao mesmo tempo forem atreitos a expedientes que pisam o risco da ilegalidade, hão-de ser acometidos de amnésia. Contando que o esquecimento (de pagar impostos) seja contemplado com a próxima amnistia que políticos imensamente generosos decidirem assinar.
Só que este é um jogo viciado. Um dos jogadores é árbitro ao mesmo tempo. Não é insólito nos campos de jogos: árbitros agraciados com prendas, desde gratificações simbólicas a ofertas vistosas, dadas por dirigentes sem escrúpulos. É onde mora o domínio da falsidade desportiva (por antinomia com a sacralizada, mas oca, verdade desportiva). Onde a falta de escrúpulos conta mais que os méritos dos praticantes, no conluio com os homens do apito. Até aqui as pontes entre a política e o desporto são incessantes. Um governo é denunciado nas manobras de bastidores que maquilham o défice orçamental anunciado com pompa. Na cerimónia que fez o anúncio, a imagem de um quase milagre. Agora que o ano está a gastar as últimas folhas do calendário e já se percebeu que o dinheiro roubado através dos impostos foi inferior às previsões, desfralda-se a cosmética contabilística. É como se o jogador tivesse na boca o apito que marca o penalti que ele julga ter sido feito sobre si mesmo.
Se calhar faz falta um apito dourado para desmascarar estas operações de cosmética. Que compare o que foi prometido, em tom tão solene e com um grau de certeza inabalável, com os resultados. E depois pedir responsabilidades. Há árbitros que têm descanso compulsivo por um par de jogos quando fizeram asneira em proveito de uma equipa. Como há jogadores que passam da equipa titular para o banco de suplentes quando o desempenho é medíocre e a equipa se ressente. Há até aqueles que, de tão fraquinhos, são emprestados a equipas que navegam em divisões inferiores. Mas raramente há disto na política – e menos ainda quando a prosápia encerrada na totalitária maioria absoluta cultiva o autismo de quem governa. Somos convencidos – ou, pelo menos, tenta-se – que a equipa é de primeira água. Quando a teimosia faz soar os sinos em sinal de alarme, é o timoneiro que dá o mau exemplo. É ele que merece receber admoestações pela teimosia que lhe custa uma sucessão de tiros em cheio no pé, de cada vez que os erros de casting insistem em abrir a boca e asneirar.
Retomo a expressão – ainda estou para perceber se criativa ou se nivelada pelo mau gosto da analogia com o futebol – da “entrada a pés juntos”. Às vezes, o agredido fica estendido no chão, contorcendo-se. É o que se passa quando pagamos impostos e notamos que a contrapartida é medíocre. Só que às vezes a vítima da entrada a pés juntos fica irada e riposta com a mesma agressividade. Lá vão os engalfinhados tomar banho mais cedo, agraciados com cartão vermelho. Pena é que os contribuintes estejam ainda mergulhados na inanidade cívica. Que os que pagam impostos paguem sem protesto.
Pode ser que à custa de algumas “entradas a pés juntos” os contribuintes lentamente se rebelem, desferindo certeiro pontapé no traseiro de quem “entrou a pés juntos”. Os homens da ciência política chamam a isto “votar com os pés”. No traseiro de quem ocupa o poder. Para assim o desocuparem. Às vezes, os males trazem o seu bem. Só suspeito que, perante a horda impassível, venham as “entradas a pés juntos” que vierem que o árbitro nem sequer marca falta.
Foi então que um deputado do CDS, com voz tão arrastada que até dava sono, quebrou o tom monocórdico e teve uma tirada de mestre (para quem achar que a originalidade se mede pela bitola do “desporto rei” – passe o lugar-comum). Acusou o governo de estar a “entrar a pés juntos” sobre o contribuinte. Ora as entradas a pés juntos têm sanção de cartão amarelo. Aliás, a federação internacional, preocupada com a integridade física das vítimas destas entradas, instruiu os árbitros para puxarem do cartão vermelho.
Pode dar-se o caso dos contribuintes driblarem os cobradores de impostos. Os mais capazes hão-de puxar lustro à veia imaginativa e descobrem fugas lícitas aos impostos. E assim o dinheiro ganha asas e aterra em paraísos fiscais, para desespero dos tacanhos cobradores de impostos caseiros, a quem o tapete escorrega debaixo dos pés, contristados com uma mão vazia e outra cheia da mesma coisa. Os menos aptos, e que ao mesmo tempo forem atreitos a expedientes que pisam o risco da ilegalidade, hão-de ser acometidos de amnésia. Contando que o esquecimento (de pagar impostos) seja contemplado com a próxima amnistia que políticos imensamente generosos decidirem assinar.
Só que este é um jogo viciado. Um dos jogadores é árbitro ao mesmo tempo. Não é insólito nos campos de jogos: árbitros agraciados com prendas, desde gratificações simbólicas a ofertas vistosas, dadas por dirigentes sem escrúpulos. É onde mora o domínio da falsidade desportiva (por antinomia com a sacralizada, mas oca, verdade desportiva). Onde a falta de escrúpulos conta mais que os méritos dos praticantes, no conluio com os homens do apito. Até aqui as pontes entre a política e o desporto são incessantes. Um governo é denunciado nas manobras de bastidores que maquilham o défice orçamental anunciado com pompa. Na cerimónia que fez o anúncio, a imagem de um quase milagre. Agora que o ano está a gastar as últimas folhas do calendário e já se percebeu que o dinheiro roubado através dos impostos foi inferior às previsões, desfralda-se a cosmética contabilística. É como se o jogador tivesse na boca o apito que marca o penalti que ele julga ter sido feito sobre si mesmo.
Se calhar faz falta um apito dourado para desmascarar estas operações de cosmética. Que compare o que foi prometido, em tom tão solene e com um grau de certeza inabalável, com os resultados. E depois pedir responsabilidades. Há árbitros que têm descanso compulsivo por um par de jogos quando fizeram asneira em proveito de uma equipa. Como há jogadores que passam da equipa titular para o banco de suplentes quando o desempenho é medíocre e a equipa se ressente. Há até aqueles que, de tão fraquinhos, são emprestados a equipas que navegam em divisões inferiores. Mas raramente há disto na política – e menos ainda quando a prosápia encerrada na totalitária maioria absoluta cultiva o autismo de quem governa. Somos convencidos – ou, pelo menos, tenta-se – que a equipa é de primeira água. Quando a teimosia faz soar os sinos em sinal de alarme, é o timoneiro que dá o mau exemplo. É ele que merece receber admoestações pela teimosia que lhe custa uma sucessão de tiros em cheio no pé, de cada vez que os erros de casting insistem em abrir a boca e asneirar.
Retomo a expressão – ainda estou para perceber se criativa ou se nivelada pelo mau gosto da analogia com o futebol – da “entrada a pés juntos”. Às vezes, o agredido fica estendido no chão, contorcendo-se. É o que se passa quando pagamos impostos e notamos que a contrapartida é medíocre. Só que às vezes a vítima da entrada a pés juntos fica irada e riposta com a mesma agressividade. Lá vão os engalfinhados tomar banho mais cedo, agraciados com cartão vermelho. Pena é que os contribuintes estejam ainda mergulhados na inanidade cívica. Que os que pagam impostos paguem sem protesto.
Pode ser que à custa de algumas “entradas a pés juntos” os contribuintes lentamente se rebelem, desferindo certeiro pontapé no traseiro de quem “entrou a pés juntos”. Os homens da ciência política chamam a isto “votar com os pés”. No traseiro de quem ocupa o poder. Para assim o desocuparem. Às vezes, os males trazem o seu bem. Só suspeito que, perante a horda impassível, venham as “entradas a pés juntos” que vierem que o árbitro nem sequer marca falta.
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