Ainda sobre a violência. Outro fragmento de inanidade.
A criatividade é o esteio das artes. E de cada vez que a criatividade se liberta das amarras do conhecido, os cultores apreciam, excitados, num longo aplauso. Que interessa se a criatividade que alimenta um novo conceptualismo tem laivos de imbecilidade em estado puro? Dirão os críticos, os que sabem da poda, que o que conta é o momento criativo, a descoberta que deixa aturdidos os espectadores, desarmados perante o conceito nunca dantes explorado. De umas vezes, a criatividade é um acto singelo, levando os espectadores a questionarem como nunca alguém se lembrou de fazer arte com coisa tão singela. De outras vezes, o novo conceito artístico serve-se de uma inextricável complexidade. Difícil é desatar o nó desse conceptualismo. Os apreciadores demoram-se diante da obra e desfazem-se em interrogações, desmultiplicam-se em interpretações que se adensam na espessura da obra.
Só que às vezes a criatividade que pontua um novo conceptualismo não passa de imbecilidade. Como dizia há pouco, em estado puro. Imbecilidade no seu sentido científico, usado pela psicologia. E cito o dicionário: “atraso mental acentuado, entre a debilidade mental e a idiotia, distinguindo-se desta última pela aquisição da linguagem falada e pelo nível mental, que, determinado por testes, se situa entre os três e os sete anos.” Há dias li algures que um “artista” (e daqui em diante sempre que houver referência ao dito ou à sua “arte” os termos aparecem entre aspas), creio que argentino, inventou um novo conceptualismo temático. Numa exposição de pintura, colocou um cão diante de um quadro. O elemento conceptual contemplava a fome e a sede do cão. Terá explicado o “artista” que pretendia testar quem fosse visitar a exposição: até que ponto as pessoas que parassem diante do quadro dariam atenção ao cão; até que ponto fariam algo para evitar que o cão definhasse consumido pela sede e pela fome.
O animal acabou por morrer aos pés do quadro. Porque não houve vivalma que tomasse a iniciativa de saber se o cão estava a ser alimentado. O “artista”, preso à densidade do seu elemento conceptual, primou pela inacção. Sabia que a cada dia que passava o cão sem alimento nem água ia mirrando, encurtado o espaço temporal que o separava da morte. O “artista” não terá dado conta que ele era o carrasco de um animal sem culpa da sua estupidez. Condenou ao sofrimento, e a uma morte indigna, o cão que teve a infelicidade de se cruzar no caminho daquele apedeuta. O cão depôs a vida diante do artista e da sua insensibilidade. Diante da besta.
Da forma como a notícia me chegou ao conhecimento, faltava saber se o “artista” informou o público que o cão estava à míngua de comida e água. Se o não fez, estava a iludir os visitantes. Estes, na sua boa-fé, decerto acreditariam que o animal estava a ser alimentado. Se assim foi, a culpa restringe-se ao selvático “artista”. Mas pode-se dar o caso de ter sido divulgada informação sobre o “estatuto” do cão. E se a horda de visitantes que passeou diante do quadro nada fez para impedir a morte do cão, é cúmplice de um acto de barbárie que não abona em favor da superioridade intelectual que as elites que frequentam as artes costumam reclamar para si. Não percebo, simplesmente não consigo perceber, como não houve um único visitante que não procurou terminar com o sofrimento a que o cão estava votado. Cúmplices ou não, todas aquelas pessoas que visitaram a exposição são tão criminosas como o “artista” que tirou da cartola tão improvável conceptualismo “artístico”.
Desde que há tempos soube que havia uma exposição colectiva no Porto em que um artista apresentou uma escultura feita com um litro de esperam congelado, já nada me espantava no mundo das artes dominado pela tirania da criatividade. Até que tomei conhecimento da brutalidade imposta ao inocente cão pelo “artista” argentino. Qualquer dia, temos conceituados artistas a exporem estátuas humanas com um cartaz afixado aos seus pés anunciando aos visitantes que podem fazer o que quiserem nos modelos vivos estacionados à sua frente. Com um sublinhado sugestivo na expressão “fazer o que quiserem”. Aceitam-se sevícias, insultos, chacota, e o que mais se soltar da espantosa seiva da criatividade humana. Sabe-se lá se, até, tirar a vida à escultura, numa redefinição do elemento conceptual.
Começava este texto informando que, na sequência do de ontem, também tratava de violência. E não só da violência gratuita, ensandecida, do “artista” ao compor o elemento conceptual desta “obra de arte”. Também da violência que eu não conseguia reprimir se fosse visitante dessa “exposição” e soubesse que o cão era o instrumento ao serviço de tamanha boçalidade. Tenho a impressão que seria a primeira vez na vida que teria o impulso de agredir alguém – o dito “artista”.
A criatividade é o esteio das artes. E de cada vez que a criatividade se liberta das amarras do conhecido, os cultores apreciam, excitados, num longo aplauso. Que interessa se a criatividade que alimenta um novo conceptualismo tem laivos de imbecilidade em estado puro? Dirão os críticos, os que sabem da poda, que o que conta é o momento criativo, a descoberta que deixa aturdidos os espectadores, desarmados perante o conceito nunca dantes explorado. De umas vezes, a criatividade é um acto singelo, levando os espectadores a questionarem como nunca alguém se lembrou de fazer arte com coisa tão singela. De outras vezes, o novo conceito artístico serve-se de uma inextricável complexidade. Difícil é desatar o nó desse conceptualismo. Os apreciadores demoram-se diante da obra e desfazem-se em interrogações, desmultiplicam-se em interpretações que se adensam na espessura da obra.
Só que às vezes a criatividade que pontua um novo conceptualismo não passa de imbecilidade. Como dizia há pouco, em estado puro. Imbecilidade no seu sentido científico, usado pela psicologia. E cito o dicionário: “atraso mental acentuado, entre a debilidade mental e a idiotia, distinguindo-se desta última pela aquisição da linguagem falada e pelo nível mental, que, determinado por testes, se situa entre os três e os sete anos.” Há dias li algures que um “artista” (e daqui em diante sempre que houver referência ao dito ou à sua “arte” os termos aparecem entre aspas), creio que argentino, inventou um novo conceptualismo temático. Numa exposição de pintura, colocou um cão diante de um quadro. O elemento conceptual contemplava a fome e a sede do cão. Terá explicado o “artista” que pretendia testar quem fosse visitar a exposição: até que ponto as pessoas que parassem diante do quadro dariam atenção ao cão; até que ponto fariam algo para evitar que o cão definhasse consumido pela sede e pela fome.
O animal acabou por morrer aos pés do quadro. Porque não houve vivalma que tomasse a iniciativa de saber se o cão estava a ser alimentado. O “artista”, preso à densidade do seu elemento conceptual, primou pela inacção. Sabia que a cada dia que passava o cão sem alimento nem água ia mirrando, encurtado o espaço temporal que o separava da morte. O “artista” não terá dado conta que ele era o carrasco de um animal sem culpa da sua estupidez. Condenou ao sofrimento, e a uma morte indigna, o cão que teve a infelicidade de se cruzar no caminho daquele apedeuta. O cão depôs a vida diante do artista e da sua insensibilidade. Diante da besta.
Da forma como a notícia me chegou ao conhecimento, faltava saber se o “artista” informou o público que o cão estava à míngua de comida e água. Se o não fez, estava a iludir os visitantes. Estes, na sua boa-fé, decerto acreditariam que o animal estava a ser alimentado. Se assim foi, a culpa restringe-se ao selvático “artista”. Mas pode-se dar o caso de ter sido divulgada informação sobre o “estatuto” do cão. E se a horda de visitantes que passeou diante do quadro nada fez para impedir a morte do cão, é cúmplice de um acto de barbárie que não abona em favor da superioridade intelectual que as elites que frequentam as artes costumam reclamar para si. Não percebo, simplesmente não consigo perceber, como não houve um único visitante que não procurou terminar com o sofrimento a que o cão estava votado. Cúmplices ou não, todas aquelas pessoas que visitaram a exposição são tão criminosas como o “artista” que tirou da cartola tão improvável conceptualismo “artístico”.
Desde que há tempos soube que havia uma exposição colectiva no Porto em que um artista apresentou uma escultura feita com um litro de esperam congelado, já nada me espantava no mundo das artes dominado pela tirania da criatividade. Até que tomei conhecimento da brutalidade imposta ao inocente cão pelo “artista” argentino. Qualquer dia, temos conceituados artistas a exporem estátuas humanas com um cartaz afixado aos seus pés anunciando aos visitantes que podem fazer o que quiserem nos modelos vivos estacionados à sua frente. Com um sublinhado sugestivo na expressão “fazer o que quiserem”. Aceitam-se sevícias, insultos, chacota, e o que mais se soltar da espantosa seiva da criatividade humana. Sabe-se lá se, até, tirar a vida à escultura, numa redefinição do elemento conceptual.
Começava este texto informando que, na sequência do de ontem, também tratava de violência. E não só da violência gratuita, ensandecida, do “artista” ao compor o elemento conceptual desta “obra de arte”. Também da violência que eu não conseguia reprimir se fosse visitante dessa “exposição” e soubesse que o cão era o instrumento ao serviço de tamanha boçalidade. Tenho a impressão que seria a primeira vez na vida que teria o impulso de agredir alguém – o dito “artista”.
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