Advertência: isto não é um texto de efervescência sindicalista contra a classe empresarial. Não me entreguei, qual noivo cegado pela ingenuidade, num enlace com os excitados detractores do “grande capital” em particular e do capitalismo em geral.
Maioridade equaciona responsabilidade. Capacidade para assumir as consequências dos actos. Quando um jovem chega à idade adulta e reclama para si emancipação paternal não pode depois esperar que, nos momentos de aperto, os progenitores apareçam quais figuras sebastiânicas a conferir a tutela aguardada. Os meninos que dançam assim, a descompasso com as suas responsabilidades, não são credores de confiança. É como se tivessem apenas um olho bom e, quando este entra na penumbra, se recusem a olhar as coisas através do olho mau. Ficam à espera que alguém o faça em sua vez. São crescidinhos dentro de uma mente que ainda adolesce.
É a falta de hábito de agirem por si, a falta de hábito de suportarem todas as responsabilidades que a idade maior – e a lei – chamam a si. Se preciso for, é vê-los fautores de uma guerra de gerações inútil, fátua, apenas um exercício de afirmação pessoal diante dos mais velhos de quem exigem carta de alforria. Hostilizam os mais velhos. Não admitem ingerências. Qualquer palpite ou sugestão dos mais velhos é furiosamente atacado: ai daqueles que pisarem a sua coutada. E confundem muitas coisas: sugestões com intromissões; preocupação com zelo intolerável; as interrogações feitas com o leme da sua vida tomado por quem as faz, logo as interrogações proibidas. Ao primeiro contacto com a dureza da realidade, ao primeiro contratempo, recolhem-se chorosos debaixo da asa protectora de quem se querem libertar. Imersos no mais profundo contra-senso. A credibilidade maculada.
Vale para arroubados jovens sabedores da independência acabada de conquistar. Como vale para uma classe empresarial sem nível, campeã dos queixumes, sempre de dedo erguido contra as intromissões do poder político, contra os obstáculos semeados pela burocracia do Estado. Em momentos áureos – quando adivinham as vacas gordas e as ajudas públicas são desprezáveis – denunciam as desajudas do Estado. Que está omnipresente, figura dominante e tutelar da economia. Um entrave aos negócios. Reclamam: se há atraso, as culpas moram alhures, nos trabalhadores preguiçosos e nos sindicalistas malandros, nos ministros que só assinam papeis a preceito com prebendas pelo meio, da inconcebível burocracia que bloqueia em vez de facilitar.
A prova dos nove da mediocridade chega quando as nuvens negras tingem o firmamento. Quando os lucros encolhem, e encolhem tanto que dão lugar aos prejuízos. Convivem mal com a concorrência que vem de fora, esgravatando a retórica dos “interesses nacionais” ao mesmo tempo que estendem a mão em direcção da piedade dos governantes. Conseguem iludir as massas: o “interesse nacional” resume-se ao seu próprio interesse. Portam-se como meninos birrentos que esboçam o beicinho lamechas que aplana terreno para a complacência de quem governa. Nessa altura, esquecem discursos exaltados que reclamam a separação das águas. Já não exigem que o mercado navegue num mar diferente do navegado pelo Estado.
Quando o nó aperta tanto que a asfixia ameaça, já não há mercado que queira viver emancipado dos poderes públicos. Sobra um concubinato estranho entre dois parceiros que se olham como rivais, mas que gostam de estender a mão um ao outro. Um sucedâneo de amor-ódio. Quem exerce a tutela, adora sentir o poder que se reforça quando os vínculos de dependência sobem pela mendicidade penosamente mostrada pelos empresários. Estes, de cada vez que estendem a mão em busca de piedosa esmola, humilham-se na negação dos gloriosos discursos de emancipação quando as vacas eram gordas. Entregam o seu destino na generosidade dos governantes.
Simpatia nula pelos sindicatos. E, todavia, fazem sentido quando em redor gravitam empresários que lutam, com denodo, para se enterrarem no lodaçal da ambiguidade. Dirão que são militantes do pragmatismo. Que os grandes negócios se fazem à mesa da política, com os políticos que efemeramente ocupam sinecuras. Convém agradar aos governantes, sob pena dos negócios irem parar às mãos de rivais. Há quem lhe chame concubinato (se forem mais simpáticos, solta-se o rótulo do pragmatismo); há quem a este comportamento chame uma palavra impronunciável para ouvidos sensíveis ao calão.
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