Não me conheces de lado nenhum, Armando Vara. Ainda assim, permite a ousadia de te tratar por tu. Vai assim em sinal de singela homenagem por ti. Pela tua ascensão meteórica. Pela sagacidade, quando te retiraste do meio hediondo da política partidária e foste encontrar refúgio prazenteiro e tão bem remunerado em conselhos de administração de bancos. Tornaste-te banqueiro! És um exemplo para uma das bandeiras da propaganda do teu amigo que, um pouco à tua imagem, ainda hoje estará sem saber ao certo como chegou a primeiro-ministro: as “novas oportunidades” chegam a todos, sem olhar a classe ou habilitações, nem sequer a privilégios de casta (que não seja, obviamente, a certeira filiação partidária – mas essa é uma conversa que convém varrer para debaixo do tapete).
Presto a minha homenagem, Armando Vara. Tu és um saco de porrada de comentadores a eito. Eles põem-se em fila, esfregando as mãos de contentamento para de ti zurzirem. Uns invejosos, é o que são. Eles gostavam de ter acesso às benesses que legitimamente te pertencem, depois de uma carreira que soubeste construir com tanta diligência. Ouves e lês o rol infindável de críticas e permaneces silencioso. Gabo-te a coragem pelo silêncio asceta. Deve ser difícil ler e ouvir a maré de críticas, amiúde enxertadas de ironia depreciativa, e continuar impassível. És de uma coragem olímpica, um exemplo de fair play como não há nesta terrinha de medíocres. De tanta pancadaria que levas e nem um ai esboças.
Os que fazem da crítica à tua pessoa desporto favorito destilam uma pérfida inveja. Eles gostariam de ter tido a tua ascensão meteórica. Muitos enfatizam o que acham ser a sua superior razão: puxam dos galões das habilitações académicas superiores às tuas e choram-se pelos cantos, um queixume infindável, que só os rapazes com cartão de militante do partido certo é que vingam, sem lugar ao mérito. Estão enganados. Se subiste tão alto, vindo do quase rés-do-chão do banco onde sempre trabalhaste, é porque algum mérito hás-de ter. O que os teus críticos não conseguem perceber é que o mundo de hoje está feito para os espertos. Aos inteligentes, resta o conforto interior – e anódino – de uma inteligência sem serventia.
É isso que eles não percebem: que hoje vingam os que têm espírito pragmático. Tu és campeão do pragmatismo contemporâneo. O pragmatismo que sagra a esperteza, pois a inteligência acantona-se em elucubrações estéreis que enchem páginas de ensaios sem aproveitamento digno. Tu és um exemplo da acção com proveitos inestimáveis. Um paradigma que a universidade mais importante é a escola da vida, a espessura da experiência adquirida. Com todo o valor que se exige reconhecer aos que subiram a pulso, desde o nada até ao púlpito de onde são tão invejados. E o despeito é tanto que até desconfiam da tua licenciatura, sem perceberem que há mesmo coincidências notáveis como essa da data da carta de licenciatura ser a antevéspera da nomeação para o conselho de administração do banco público.
Chamam-te “fura-bolos”; dizem que só conseguiste chegar tão alto por causa da teia de conhecimentos privilegiados que foste angariando ao longo da carreira partidária; que não tens valor intelectual para ocupar lugar entre a nata dos banqueiros; agora criticam-te porque mudaste do banco do Estado para o banco dos socialistas. É tudo infundado. És um incompreendido. Em todas as críticas, o acessório precede o essencial. Esquecem que foram os accionistas do banco outrora dominado pela Opus Dei e agora socialista que te escolheram por esmagadora maioria. Esse é o opróbrio maior que recai sobre os teus críticos: o estigma antidemocrático. Só uma fantasiosa teoria da conspiração há-de concluir que os accionistas privados são dominados pela máquina socialista e do governo. Não se convence esta gente que o mundo não é um alfobre de conspirações?
Tinha que deixar esta carta aberta em jeito de homenagem à tua pessoa. Quem não gostaria de receber o teu salário (vais ganhar os três milhões de euros anuais que os teus antecessores auferiram em 2006?)? Quem não gostaria de ter sido encostado ao canto dourado da administração de bancos, depois do mediatismo tão desagradável a que se expõe um secretário de Estado envolvido em trafulhices várias? O que os teus críticos não percebem (incapacidade de discernimento a que és alheio) é que foste premiado com uma sinecura de tanto poder discreto e tão generosos proventos depois da passagem desastrosa pelo governo do amigo Guterres. As lealdades têm um preço a pagar no futuro – eis a explicação.
O teu exemplar percurso fala por si mesmo. Não obstante, hás-de ficar nos anais da historiografia política desta república como um caso de estudo. O exemplo que leva muita gente, carreiristas de primeira água, ao oportunismo da filiação partidária. E a sonhar que algum dia hão-de ser os novos, futuros e ladinos Armandos Varas. Eu, humilde e desacertado com a clepsidra que compassa o andamento, sei que quero ser o contrário de tudo o que representas. É a melhor homenagem que te posso prestar.
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