O elogio da velhice. Nem por não estar na moda, que a idade moderna, com a voracidade do tempo que se consome a cada instante gasto, trata de sagrar a juventude como a virtude onde os corpos deviam repousar. E de sangrar a velhice da sua dignidade. A ciência ainda não foi longe ao ponto de retardar o envelhecimento das células. E os corpos, por mais que se debatam, por mais que se oponham à marcha do tempo, acolhem as marcas da idade. Envelhecem. As rugas, a cal viva da velhice que se insinua, inexorável.
Vejo rostos marcados pelas rugas. Rugas que entram fundo na carne, pronunciam-se na sua densidade. Mostram o roteiro de uma vida, tão marcada por vicissitudes como as rugas marcadas no rosto. Esses rostos possuem uma expressividade ímpar. Caucionam uma extensa experiência de vida, a garantia de uma clarividência ausente da vida frenética dos mais jovens. Ao mesmo tempo, as rugas são o repositório de uma serena sabedoria. Contra a maré dominante: a força galopante do conhecimento, que avança a galope furioso, num arrebatamento da insaciável inteligência humana, convencionou que os mais novos aparecem na vanguarda. Aos mais velhos, as rugas perdem serventia. O saber decantado pelo tempo, pela larga experiência da vida, perdeu o valor de outrora.
Teme-se que os idosos sejam os novos excluídos. Que o sejam pelo insidioso silêncio a que são deixados. Ou pela solidão que lhes sobra, à medida que deixam de ter utilidade para a sociedade, enquanto os entes queridos vão deixando a vida. E à medida que são esquecidos por aqueles a quem eles legaram vida. Porventura na expressão mais grotesca da ingratidão de que se pode ser testemunha. Nessa altura, as rugas deixam de ser a tutela de uma sabedoria que se depurou com as camadas do tempo que se foram sedimentando. As rugas são o sinal da decadência, da extremidade da vida que pode chegar a qualquer momento, pela doença fatal.
E, no entanto, vejo nesses rostos uma serenidade inigualável. Não será o cansaço dos corpos que são leito para rostos tão enrugados a sanção para a sabedoria serena. Será a clarividência do saber acumulado, o mais alto discernimento que só a nitidez da vista alcança com a densidade do tempo acumulado. Uma paradoxal evidência: os olhos cansados que reclamam lentes mais graduadas, a descompasso com a nitidez das imagens que desfilam diante da vista, só dos olhos envelhecidos que repousam na montanha de rugas espalhadas pelo rosto. A nitidez trazida pela depuração da sabedoria. Ao cabo de um percurso acidentado, com as estradas muito sinuosas que foi necessário deixar para trás, as encruzilhadas que semearam frugais hesitações.
A sagração da juventude prolongada esbarra no comedimento da sabedoria envelhecida. Para gáudio da indústria de cosméticos, que oferece abundante gama de cremes e sucedâneos que tentam convencer incautos que o envelhecimento da epiderme pode ser retardado, até revertido. Os cremes espalham-se com a convicção que aquela ruga expressiva, e ao mesmo tempo incómoda, há-de desaparecer. Desenganados, iludem-se na fantasiosa retórica da indústria cosmética. Uma oportunidade perdida: o denodo com que se entregam numa luta contra a natureza do seu próprio organismo é a caução para a experiência adiada. Acreditam que adiam o envelhecimento. Munem-se dos cremes e sucedâneos na promessa da juventude, se não eterna pelo menos prolongada.
Quando chegarem à velhice irreprimível e notarem que a queda do pedestal da juventude prometida onde se elevaram é tão dolorosa, as insuportáveis dores do envelhecimento. Todas as rugas que forem desnudadas pelo meticuloso espelho, as pás de uma engrenagem irremediável, a velhice todavia renegada. Haverá nostalgia pelas fotografias que retratam na eternidade o que o tempo trata de desmentir. São os teimosos em aceitar a fina camada dos dias que se transforma na densidade do tempo, onde acama a sua própria velhice.
Nessa altura, as rugas marcadas no rosto serão um manancial de dor interior, já não o altar onde se oferece a sabedoria decantada.
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