5.8.08

“Gastrossexuais”


O insólito é o que este mundo tem de melhor. A surpresa é uma fonte inesgotável. E não só a surpresa é um adoçante para a existência como evapora a monotonia da vida que se repete igual, dia após dia. Por vezes, a novidade traz consigo o perfume do inaudito. A reacção espontânea tanto pode ser um aceno da cabeça em tom de reprovação, como um sorriso de orelha a orelha, a caução maior perante o feito que seria inacreditável se não fôssemos testemunhas dele.


A química heterossexual continua a ser matéria-prima para tratados do corpo e do espírito. Especialistas do comportamento meditam sobre os hábitos da tribo humana. O que fazemos para atrair alguém do sexo oposto? Os tempos são o mostruário de diferentes maneiras de seduzir. Também aqui vingam os modismos, artificiais ou não. Triunfam à mercê do estímulo humano pela diferença. Há fórmulas que se desgastam, perdem a faceta miraculosa de atrair alguém do outro sexo. Renova-se então a criatividade, novas fórmulas entronizadas como sucedâneos de Cupido.


Constava que os metrossexuais estavam na crista da onda. Aqueles homens muito ajanotados, versados em cremes de mil e uma espécies que melhoram o "aspecto" e retardam o envelhecimento – como se o envelhecimento pudesse ser retardado, ó miragem inalcançável. A antítese do macho de outrora, despretensioso e desleixado, cônscio de outros predicados que faziam ajoelhar a seus pés um exército de servis damas. O metrossexual não se coíbe de adoptar comportamentos que os conservadores costumes associam ao género feminino. É vê-los, quase andróginos, e as donzelas perdidas de amores por aquela figura que até se assemelha a um corpo feminino (o que permitiria especular sobre a homossexualidade recalcada das mulheres que se embeiçam pelo estereótipo). É vê-los, despidos de pilosidades corporais que pertenciam à distinção entre homens e mulheres. É vê-los, com uma sensibilidade quase feminina, arpoando donzelas assombradas com o "novo homem novo" que enverga na etiqueta o dizer "metrossexual".


Só que as modas são como as marés. Uma notícia anuncia a decadência dos metrossexuais. Foram ultrapassados por uma categoria acabada de inventar: o "gastrossexual". Neste rótulo encaixam-se os "homens que adoram cozinhar pratos elaborados e usam as suas habilidades culinárias para encantarem e seduzirem mulheres". Leio e a primeira reacção que tenho é a seguinte: continua tudo na mesma, as mulheres comem com os olhos. Só que agora não se enfeitiçam pela aparência exterior de homens milimetricamente perfeitos (os metrossexuais); o arrebatamento é pelas iguarias preparadas pelo candidato, que as consegue conquistar pelo estômago. E não é verdade que, na comida, somos mais olhos que barriga?


Se for verdade que os "gastrossexuais" são os que alcançam maior sucesso junto das mulheres, temos que deitar mão da antropologia, talvez até da sociologia, para perceber a mudança de agulha do sexo feminino. Um recalcamento social de longa data, ainda restos de uma anacrónica separação de funções consoante o sexo que temos. As mulheres soem fazer isto e aquilo, que a um espécime varonil está vedado se não quiser arrostar suspeitas quanto à sua masculinidade. Um homem à maneira antiga nunca entrava na cozinha. Era bom garfo, exigente na apreciação das iguarias confeccionadas pela consorte. Mas nem queria saber da confecção dos petiscos que desfilavam no prato – desde que os petiscos saciassem a sua animalesca necessidade de comer. Mas houve homens que começaram a entrar na cozinha, a interessar-se pelas artes gastronómicas, aventurando-se num mundo que lhes estava vedado. Sem abdicarem da masculinidade. Homens apaixonados pela culinária, heresia para o catecismo dos marialvas que ainda existem.


Do oito andamos para o oitenta, predicado dos excessos que são típicos da raça humana. Os D. Juan contemporâneos são, a crer na notícia, os improvisados "maître de cuisine" que deliciam as senhoras com os dotes na cozinha. Elas gostam do que é diferente: neste caso, de homens que rompem com os costumes e as surpreendem com destreza gastronómica. São pescadas pela boca: é refrescante ventania que muda a bússola dos costumes, e é gula. Vendo bem, uma traição para o sexo feminino: pois de tanto e bem se alimentarem pela mão gastronómica do amado, hão-de desleixar a silhueta e as adiposidades virão ao de cima. Nessa altura, os D. Juan, que não amansam as hormonas, levarão tachos e ingredientes para outra cozinha. Pela boca terá morrido a truta pescada.


Apaixonado pela gastronomia e, com o perdão da possível imodéstia, autor de notáveis iguarias, um lamento: que este tropismo feminino venha fora do (meu) tempo.

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