11.8.08

A intendência dos silêncios


Lugares sombrios, onde apenas o silêncio dura. Uma cortina de água onde mergulham os sons da ausência. As águas devolvem à superfície uma quietude expressiva. Depois, tudo se torna cristalino. Como se a paisagem clareasse à passagem de ventos serenos, a paisagem nos seus traços vigorosos. São as palavras maiores ecoam no seu silêncio. Viajam no silêncio do pensamento.


Quando os elementos dormem na sua acalmia, tudo se imortaliza em redor. As folhas das árvores não soltam um sussurro. Na sibilina fronteira entre o ser resgatado e a idílica coreografia da paisagem, um ténue fio, o silencioso rumorejar que se insinua. Nos sons ausentes, a peregrinação interior que se inicia. O corpo estremece tomado pela mágica poção do silêncio. Os olhos encerram-se no torpor convocado pelo silêncio. E, contudo, nessa escuridão é que desfilam as paisagens mais coloridas. Uma sucessão de lugares ora visitados, ora apenas idealizados. A viagem acompanha a depurativa digressão ao mais fundo do ser. Tem ao fundo a incomparável melodia do silêncio.


Os elementos, na sua voracidade, emprestam o cenário à deambulação que há-de libertar o corpo do seu torpor. Uma cortina de sons ausentes vem e volta, silêncio sepulcral onde as coisas têm a sua claridade devolvida. Mosaico de penumbras onde se insinuam as melodias do silêncio. Um vasto campo à frente dos olhos, a seara juvenil onde o silêncio repousa, deitando-se nas ramagens imberbes. Dançando com os cereais ainda à espera de erupção, dançando com a brisa que se compõe. Ao alto, um céu que se pintou num azul tão nítido. Os espasmos do vento não chegam para transtornar o silêncio imperial. O silêncio aclama os sons interpretados pelo vento. O silêncio recomposto pelo silvar da brisa a siar sob a seara. As hastes do trigo são o colo derradeiro onde se detém o vento.


De repente, o céu fez-se escuro. A compasso, o entardecer e as nuvens trazidas por vento mais furioso. E o silêncio que se tinge de outras cores, o silêncio que avista a melodia da tempestade que se anuncia. Silêncio, ainda. Em redor, na longínqua distância de tudo, não há vestígios de vida que subtraiam o silêncio. Só contam os elementos, os maestros do silêncio encantador onde se orquestra a aleatória combinação do vento descendo sobre a seara para depois se empinar pela copa das árvores, embotando a vista no crepúsculo que o tempo adianta.


Os pés, cansados, prosseguem. O silêncio parece a sua anestesia, o manancial das forças que empurram o corpo em demanda de mais paisagens desconhecidas, onde mais silêncio revolve as palavras mudas que se sucedem num delirante turbilhão. A memória não tem maneira de as registar, perdidas na vastidão dos pensamentos que encontram nutriente no silêncio. Palavras emudecidas pela cortina de silêncio que desceu naquela vastidão do nada. A romper o silêncio, descarrega-se um grito lancinante como trovão que empalidece o pensamento. Um espasmo doloroso que se esgota nas gastas paredes do abrigo alcantilado. O sossego, por fim. No caminho pedregoso, só o ruído do granito que estilhaça debaixo dos pés. O trilho estreito e agreste que escala o promontório bebe as gotas de suor que escorrem do corpo cansado. As pedras pontiagudas lavadas pelo suor, a melodia que se renova.


Ao fim de íngreme subida, o caminho torna-se amplo e deixa de ser caminho: já só um terraço de onde tudo se avista. No sopé, onde a claridade devora tudo em redor, o refúgio dos sons amplificou-se no seu significado. A nitidez que purifica e o ser redimido. Demanda proveitosa do silêncio capaz. O silêncio emparelhado com a necessária solidão. Peregrinação ao fundo do ser, de onde se resgata das maleitas interiores. Silêncio e solidão, os bálsamos para a emenda.


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