Há um teólogo italiano que se cansou do cheiro a bafio nas sacristias. Quer dizer adeus à taciturna igreja que se envergonha de tudo que ressoe a sexualidade. Como se sabe, quem entrega a vida a deus prescinde da sua sexualidade (pedem-nos para acreditar). Daí que não seja estranha a moral proibicionista, diria, castradora, que a igreja quer impor aos crentes (porque acha que pode) e aos ímpios (porque acha que deve, convicta que um dia os trará para o bom rebanho). Que interessa que a igreja católica se passeie, vetusta e anacrónica, pelas avenidas da contemporaneidade? Dirão, do alto da sua incontestável sapiência – aliás abençoada pelo seu deus – que é a sociedade que tem andado mal. O teólogo italiano contesta os obtusos dogmas católicos: propõe-se a organizar um concurso para eleger a mais bela freirinha. A miss freira Itália.
O teólogo de mente aberta fixou as regras do jogo: "ter entre 18 e 40 anos, ser freira ou noviça e enviar uma fotografia "bonita e expressiva, que mostre a beleza [da candidata] tanto no plano estético como no plano espiritual"". Sei o que é uma fotografia bonita e expressiva que seja mostruário da beleza estética. Já fico mais perplexo com o conceito de beleza espiritual. E mais ainda com a possibilidade da beleza espiritual ser desnudada através de uma fotografia. Pois não somos instruídos que essa é a beleza interior, e que fotografia alguma a consegue revelar? Porventura não será o retrato das irmãs espalhadas pelos conventos italianos a decifrar essa importante parcela da futura miss freira Itália (já agora: qual é a ponderação para a votação final?). À fotografia enviada terão as freirinhas que adicionar "um pequeno relato das suas vidas e das suas personalidades".
Portanto, desenganem-se os que têm fantasias com freiras nuas. O mais que poderão ver no sítio criado para o concurso (www.padreantoniorungi.myblog.it) são caras larocas, com ou sem hábito é detalhe não informado pelo organizador do criativo evento. Teremos direito a retratos de rostos insinuando sensualidade? Haverá freiras capazes de ultrapassar a castradora timidez, libertando-se para fotografias com um olhar furtivo que traz a pulga atrás da orelha? A mais improvável devassidão acolhida numa tão inocente fotografia?
Os dogmáticos, decerto, acenando a cabeça em tom reprovador. "Brincar com coisas sérias, isso não se faz", dirão. As corajosas noviças e freiras convidadas a este desaforo. E ainda por cima um desaforo que parte de alguém que está dentro da igreja. Se viesse de ateus, daqueles que se entretêm a fazer do anticlericalismo um modo de vida, nem valia a pena pestanejar diante da afronta. Os dogmáticos, tementes pela sanidade mental das freiras e noviças quando tomarem conhecimento do desafio que lhes foi lançado. Quem sabe se isso não vai despertar um apetite reprimido pelo voto de castidade a que as freirinhas se entregaram. Há remédio bastante para tamanho malefício: para tão inopinada ideia, a vergastada da canónica censura. Para repor a normalidade. E asfixiar inoportunos diabinhos libidinosos que estivessem a acossar a consciência das monjas. A castração não tem retorno.
Talvez por isso tenha confirmado, entretanto, que o dito blogue que ia arquivar as fotografias das freiras candidatas já não consta. A Santa Sé deu instruções ao teólogo para não blasfemar? É que a igreja católica só tem respeitabilidade se for soturna, tão empalidecida com o negrume dos hábitos que os sacerdotes trajam. E assim se expõe à chacota: tivesse rins, dando a sua bênção a tão criativa ideia – ou, pelo menos, assobiando para o lado sem a reprovar com a habitual veemência – e a cúpula do Vaticano não estaria a enviar sinais de que dá tanta importância ao (parece, abortado) concurso da miss freira Itália.
O que me leva a pensar que haverá padres, bispos, arcebispos, cardeais e por aí fora que não terão querido suportar a provação. O desafio de meterem debaixo da cama, à socapa, um calendário que mostra, para cada mês do ano, uma cara das que seriam as felizes contempladas entre a irmandade que se candidatara a miss freira. Ou isso, ou tementes que os abrutalhados camionistas se enamorassem pelas noviças e menos noviças trazidas para as luzes da ribalta, deitando ao lixo os calendários onde abundam avantajados corpos femininos em plena nudez. As inocentes irmãzinhas passariam a ser amanhadas na alarvidade de camionistas e afins.
No Vaticano, os tormentos da cúria não têm fim. Até parece que o mundo inteiro conspira, e vinte e quatro horas por dia, contra a igreja.
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