7.8.08

A misteriosa publicidade kitsch dos bancos



Gostava de perceber o apetite dos bancos pela publicidade kitsch. Na paisagem bancária autóctone havia um banco que levava a palma aos demais – o Banco Millennium. Não está só na façanha, mas era, e de longe, o campeão na publicidade de mau gosto. O pedestal está ameaçado pelo Banco Santander, que contratou uma equipa de "criativos" para rivalizar com o recorrente mau gosto do banco que outrora foi o banco da Opus Dei e agora dança ao som do kizomba e do kuduro.

Gostava de entender o que passa na cabeça dos "criativos" para quase só produzirem anúncios esteticamente calamitosos, quando comunicam à populaça as benesses que os bancos "oferecem". Serão acometidos por uma súbita apneia de criatividade, mergulhando nas trevas da feiura? Ou, sabendo-se que a banca é um dos expoentes do capitalismo que nos hipoteca, serão agentes infiltrados a soldo de grupelhos que combatem os malefícios do capitalismo, mostrando a estética reles que os banqueiros, apenas conhecedores dos meandros da alta finança, parecem estimar?


Outra hipótese em fila de espera: os bancos querem atrair as poupanças dos abastados, e os abastados amesendam com o tremendo mau gosto. Descarto esta hipótese: mais importante para os bancos é captar os que nem sequer nos fundilhos encontram uns trocos para gastar. Eles é que enriquecem, através do crónico endividamento, os cofres dos bancos. É para esta gente que as campanhas publicitárias dos bancos se dirigem. Um grupo heterogéneo. Haverá quem se encante com as imagens rusticamente urbanas, passadas à exaustão pelos endinheirados bancos que tomam conta do espaço publicitário em televisões, rádios, jornais e outdoors nas cidades. Haverá muitos que vomitam o repetido mau gosto desses anúncios. E mesmo assim os publicitários insistem na receita do costume: um hino à inestética. Terão na mão sofisticadas pesquisas de opinião como prova de que a maioria se enternece com esta publicidade?


Dantes, os detergentes esmeravam-se no mau gosto. Agora, os bancos suplantaram os detergentes. Se os lucros dos bancos tivessem barómetro na qualidade da publicidade que encomendam, já só sobrava a Caixa Geral de Depósitos (porque é o banco em que todos nós, contribuintes, somos involuntariamente accionistas…).


Anda por aí um anúncio ao Banco Santander que é uma preciosidade kitsch. Arrisco a dizer: não tenho memória dos padrões estéticos nivelados por tão baixo estalão. Passa-se em registo "variedades", muito ao jeito dos programas televisivos onde desfilam cantores a concurso, o festival das cantigas em versão requentada. Uma volumosa cantora ornamentada com um ajustado e garrido vestido vermelho, as cores do banco, passeia-se em palco com o apropriado sorriso artificial de orelha a orelha, pois somos todos obrigatoriamente felizes quando nos empenhamos aos bancos até ao fim da vida. A anafada cançonetista assassina uma canção dos Rádio Macau – apetecia-me comiserar os Rádio Macau pelo assassinato da música da sua lavra, mas parei a tempo: eles deram autorização para a arrepiante recriação para efeitos publicitários.


Na parte de baixo do palco, uma horda entusiasmada com a performance artística da gorda refulgente no seu longo vestido carmim. Dançam e batem palmas de braços no ar e acompanham a cantatriz e embebedam-se em sorrisos, todos tão felizes. Na retaguarda da volumosa cantora, um coro pavoroso bate o pé ao som da melodia. Ali no meio do coro, um galã de meia-idade ainda capaz de enfeitiçar muitas donzelas. Também ri, o coro, porque os bancos são a melhor receita para nos enchermos de felicidade. Será esta a explicação para o espectacular festim. Uma festa que parece interminável, apesar do anúncio durar um punhado de segundos: retomando um adágio popular, "quem canta seus males espanta".


O mal pode ser meu – é o mais provável, desavindo da estética dominante. Mas se estivesse para escolher um banco (para colocar a fortuna entesourada que não tenho, ou para pedir crédito), este anúncio era lapidar: O Banco Santander, fora de cogitação. Haverá quem advirta: "gostos não se discutem". De acordo. Os meus também não. E por mais voltas que dê, não consigo digerir a horrenda estética (ou a negação dela) que transpira dos curtos-que-parecem-intermináveis-segundos da publicidade daquele banco.


A duvidosa estética dos endinheirados (descontando os perigos das generalizações, que há honrosas excepções) e dos engenhosos gestores que desfilam pelos conselhos de administração dos bancos é a imagem fidedigna do bródio festivaleiro do Banco Santander. Revejo, à força e pela enésima vez, o anúncio. E recordo imagens de uma conferência de imprensa do presidente do banco (não guardo de memória o seu nome). O homem esgotou as metáforas náuticas para explicar o sucesso do banco. Dir-se-ia que estava mais preparado para um prova de vela nas olimpíadas de Pequim. Aposto as poupanças que gostaria de ter que o presidente do Banco Santander adorou o spot publicitário. É mesmo à medida da sua pujante, mas por ele irreconhecível, inestética.


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