O que é a portugalidade a cada olimpíada que passa? Uma extensa comitiva de atletas e, no regresso, um par de medalhas. De quatro em quatro anos, no rescaldo de uns jogos olímpicos, aquelas pessoas que medem o pulso à têmpera desportiva dos patrícios olímpicos têm escassos motivos de orgulho. Como lembrava ontem, na tabela que ordena as medalhas "conquistadas pelos países" há muitos países do terceiro mundo que nos passam a perna. Será sintomático que no regresso dos atletas, a pátria celebre ruidosamente os feitos dos atletas que ganharam medalhas. Os outros ficam esquecidos. Não digo que esteja errado: os primeiros é que merecem os aplausos pelo feito. Afinal, destacam-se entre a mediocridade geral. Só que também digo que a festiva pátria não deve esquecer os que foram às olimpíadas apenas para participar.
Estes são os atletas que saem da lusitana terra cheios de contentamento por irem participar. Alguns enfatizam: terem feito os mínimos que dão acesso aos jogos olímpicos é a sua medalha particular. Lamentavelmente, estes feitos pessoais não entram na contabilidade que ordena os países na compita global. Ao povo, nesta altura muito exigente mas apenas com os outros – com os atletas olímpicos que julgam em representação do "país" – pouco interessam os feitos pessoais dos atletas que não passam da cepa torta da competição olímpica. E como cresce a mentalização cidadã para o destino dos impostos pagos, recrudesce a incompreensão pela numerosa comitiva que vai até aos jogos olímpicos à custa do erário público só para fazer o papel de figurante. Para que esses atletas, que não passam da mediania olímpica, sintam brio pessoal por terem sido figurantes nuns jogos olímpicos.
Atento às notícias, noto que manhã após manhã os jornalistas transmitem com pesar as más novas que não exultam o brio pátrio. Os atletas lusos ficam-se pelas eliminatórias. Os atletas lusos, quando chegam às finais, terminam mais próximo do último classificado (quando não marcam lugar na derradeira posição). Outros desistem, vergados pela responsabilidade da participação nos jogos olímpicos. Há até atletas que fizeram check in para uma medalha e que não conseguiram suportar o peso da responsabilidade, baqueando de quatro e nem sequer chegando às finais. Ou o ridículo das desculpas de mau pagador para lamentáveis desempenhos: um atleta tomado pelo pânico quando entrou no estádio repleto de público a confessar que as pernas fraquejaram, uma praticante de judo a queixar-se da parcialidade dos árbitros, um atirador do peso que, com ar que tinha tanto de folgazão como de imbecil, revelou que de manhã gosta mais de ficar na cama.
O que interessa é que nas olimpíadas os atletas competem entre si. O que conta, no final, são os resultados – e não as desculpas, os pretextos, os súbitos bloqueios psicológicos. Acho sintomático o bloqueio psicológico que parece amaldiçoar muitos atletas lusitanos. É que os de outros países estão à altura das responsabilidades. Será sinal da fraqueza de espírito, a imagem de um povo afogado na sua mediocridade congénita? Fracos de espírito, campeões na demissão das responsabilidades pessoais que repousam sobre os nossos ombros. Na nossa demissão, deixamos os louros para os outros.
Uma outra perspectiva do problema, um diagnóstico menos cruel. É errada a crucificação dos atletas que fracassam e depois metem os pés pelas mãos no relambório das desculpas de mau pagador. Como é errado admoestar os atletas que navegam pelas posições últimas de cada modalidade, ou os que nem sequer ultrapassam as eliminatórias. Em cada competição há um vencedor, mais dois que vão ao pódio e regressam com medalhas ao peito. E depois há os figurantes. Não há olimpíadas sem figurantes. Que ninguém dispute a máxima: dos fracos não reza a história. Sem eles, a glória dos vencedores perde sentido. Honra, pois, aos figurantes. A maneira óbvia de atenuar a mediocridade pátria que se passeia a cada olimpíada.
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