25.5.09

Credenciais


Francamente, o incrível do episódio da perturbada professora de Espinho não é tanto vir para a sala de aula expor as experiências sexuais com o parceiro, ou saciar a curiosidade voyeurista ao inquirir os petizes se ainda são virgens. O incrível está na pesporrência com que a senhora esbofeteou o seu mestrado na aluna cuja mãe tinha denunciado uma informal aula de educação sexual.


(Também se discute muito a veia de espião que há em cada um, com criancinhas instruídas pelos progenitores para levarem gravadores para a sala de aula só para apanharem a professora em falso, trazendo depois a gravação para esses expoentes da coscuvilhice indígena, as televisões sensacionalistas. Dava pano para mangas. Mas não é hoje.)


Houve ali uma passagem, por entre a vozearia descontrolada da senhora professora, que me chamou atenção. A lente estava zangada porque a mãe de uma aluna se queixou ao conselho directivo das conversas despropositadas que a lente tinha na sala de aula. A sobremesa apimentada estava quase a chegar: a docente, muito abespinhada com a menina, pergunta-lhe pelas habilitações literárias da mãezinha. "Décimo segundo ano, 'stôra'", na voz assertiva da aluna.


Sopa no mel para a professora de história. A resposta mesmo a jeito para puxar dos pessoais galões académicos. Como podia uma reles senhora que não passou do décimo segundo ano pôr em causa uma professora que até tinha mestrado? A professora puxou lustro ao mestrado, uma e outra vez, como argumento definitivo de autoridade. E depois fez as contas: enquanto a progenitora da aluna só estudou doze anos, a iluminada professora contabilizou um ror de anos em cima desses doze. A diferença de números seria, naquela impressionante forma de raciocinar, o imbatível argumento da autoridade intelectual da professora. Como quem diz: devia ser proibido que gente com menos habilitações pusesse em causa o que fazem muito iluminados professores com superiores credenciais académicas. Os certificados de habilitações deviam ser mostrados quando se redige uma queixa destas. E as queixas proibidas quando as credenciais académicas do queixoso não chegassem aos calcanhares das da pessoa alvo da queixa.


Esta patética maneira de pensar é todo um programa comportamental. Diz tudo, e em meia dúzia de palavras, sobre a arrogância com que certa gente se vê ao espelho quando ostenta os canudos conquistados ao longo da vida. Há-os por todo o lado, com os mais variados graus. Há os que se ufanam quando chegam à licenciatura e exigem o tratamento de doutores e engenheiros. A professora de Espinho, que se julgava acima dos julgamentos alheios por ter queimado as pestanas anos a fio até ter obtido o mestrado. E os "professores doutores" que fazem gala de assim serem tratados, e assinam "PhD em qualquer coisa" a culminar a correspondência, tão em bicos dos pés a exibir a suposta estaleca intelectual de quem tanto penou para abocanhar o almejado doutoramento. Era o que mais faltava, após tanto amargurarem na pedregosa estrada que os levou ao Olimpo do "PhD" e depois o nome dos cartões bancários não vir precedido de "Prof. Dr.". Desconfio se esta gente que puxa os galões o faz por nem saber bem como conseguiu obter o grau de que se ufana.


Só me ocorre um lugar-comum para descrever isto: fogueira de vaidades. Esta gente anda para aqui a esbofetear na cara dos outros as credenciais académicas como argumento de autoridade. Como se fosse o galo que domina a capoeira, ou o militar de elevada patente que exige respeito por ser o que ostenta a patente mais elevada. Os argumentos deixam de contar, apenas as petulâncias que desfilam através das patentes que se esfregam nas caras uns dos outros. Enquanto andamos entretidos a massajar os egos, enquanto teimarmos em dar muita importância ao que somos e ao que conquistámos na vida, só damos atenção ao acessório: os graus ofuscam os argumentos, como se a autoridade dos argumentos viesse com o lastro dos graus.


Há muitas formas de ser mesquinho. Uma das mais refinadas é a entronização de argumentos pela suposta autoridade das patentes académicas. De gente que se refugia na opacidade do grau só para esconder a vacuidade dos argumentos. Gente muito pequenina.

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