Devo ser estúpido e ainda não dei conta. Quando sou espectador de momentos sublimes de uma certa vanguarda na comunicação publicitária (ou propagandística, quando toca a embelezar a imagem de políticos e instituições), não consigo perceber onde querem chegar os crânios que alinhavam a estratégia. O que produzem é a antítese do que querem divulgar. Em vez de cativarem a audiência, afastam gente que, de outro modo, até pensaria em escolher a pessoa que ficou tão mal no retrato. É a propaganda que espanta a caça. Às vezes, de tão desastrada, até apetece perguntar se não há espiões infiltrados a corroer por dentro a campanha de um certo candidato.
Vale para pessoas que se candidatam a eleições, como vale para campanhas que querem melhorar a imagem de uma instituição. Estamos a menos de um mês das eleições para o Parlamento Europeu. Já é da praxe, em todos os países da União Europeia (menos naqueles onde o voto é obrigatório), que o povo fuja das urnas e se abstenha mais do que nas restantes eleições nacionais e locais. Faz sentido que o Parlamento Europeu tenha idealizado uma campanha publicitária para lembrar da importância do voto nas eleições para aquela instituição da União.
O resultado é uma catástrofe. Há um primeiro filme em que se vê uma rapariga aterrada a fugir de algo, a gritar a plenos pulmões o terror que lhe incendeia as veias. Parece o excerto de um filme de terror. E a pergunta sai, inevitável: qual é a ligação entre as eleições para o Parlamento Europeu e um filme de terror? Convenhamos, não parece a abordagem adequada ao problema. Julgam que conseguem atrair os eleitores mostrando uma cena mais própria de um filme de terror? Cá está a teoria dos espanta caça no seu esplendor.
Quem se ficar por este filme, julgará que a jovem foge da urna onde dera de caras com o boletim de voto. Os corredores por onde corre em pânico podiam ser os corredores de uma escola qualquer onde costumam funcionar as mesas de voto. Os corredores estão desertos, sugerindo que pouca gente estava a votar, deixando adivinhar mais um máximo na abstenção nas eleições europeias.
Porventura a rapariga, acaso fosse eleitora socialista dotada de algum espírito crítico (portanto, não daqueles militantes acéfalos que votam sempre nos da sua cor, sem espírito crítico perante as incontinências verbais dos respectivos candidatos), ter-se-ia recordado de uma proeminente socialista que confessou, durante a campanha eleitoral, que só estava nas listas para "dar o nome", que o que ela queria era abocanhar a edilidade da segunda maior cidade do país. Incapaz de votar nos outros – por lealdade partidária, ou por inépcia das listas concorrentes – a rapariga teria sido acometida por um ataque de ansiedade que a fez abandonar a mesa de voto, fugindo aterrada pelos corredores da escola. Ou à cabeça teria subido a imagem de outra candidata com duplo chapéu a zombar com a pobre estética da líder da oposição (e com razão), sem contudo se lembrar de comprar espelhos lá para casa, para poder entender que nisto da beleza as duas senhoras rivalizam na negação do seu significado.
Mas há um segundo filme. O mistério, enfim, revelado. A rapariga fugia de um criminoso com ar de Frankenstein, empunhando uma faca de generosas dimensões enquanto a perseguia com malévolas intenções. O filme termina informando que há sempre tempo para votar nas eleições para o Parlamento Europeu. Mesmo quando alguém vem na nossa peugada ansioso por cometer homicídio.
Não sosseguei: o segundo filme não redimia a desastrosa mensagem do primeiro. Pelo contrário. No segundo filme vem escondida nas entrelinhas a seguinte mensagem: a rapariga retrata o eleitor, enquanto o homem maléfico que a persegue faz as vezes dos eleitos (ou os que querem ter lugar no Parlamento Europeu). Ou seja: os representados a fugirem a sete pés dos eleitos, por saberem que os eleitos só querem dar a facada pelas costas aos que os elegeram.
Se calhar até sou estúpido, ou bota-de-elástico. Mas suspeito que esta campanha não é contributo para a diminuição da trágica abstenção nas eleições europeias. Às vezes, o silêncio, ou a omissão, é a melhor arma. Sobretudo quando se comparam com a desastrada comunicação que tem o dom de espantar a caça.
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