8.5.09

Penteados


Há uma sociologia dos penteados? Ou, pelo menos, uma hermenêutica dos penteados, de certos, emblemáticos penteados? Por estes dias, um autêntico vendaval por causa do arrufo de ex-namorados entre o vital candidato do PS às eleições europeias e os comunistas. Concentram-se no acessório: deviam estudar o penteado do candidato, possivelmente indagar se não seria aquela enigmática composição capilar que detonou a fúria da turba que o acusou de "traidor", lançando-lhe água e impropérios irreproduzíveis. Teve mais sorte que a camarada que chefia o ministério da educação, que há tempos foi presenteada com ovos numa visita a Fafe.


Há outro penteado famoso – mais famoso por causa da pandemia de gripe porcina, ou mexicana, que trouxe a cândida ministra da saúde para as televisões sem que haja um dia de folga. Tirando os dias em que a senhora ministra, a meio do sofrido discurso que lhe é habitual (não parece que lhe dói qualquer coisa quando usa da palavra?), mostra a avantajada massa capilar que já há um par de dias carece de uma visita ao chuveiro, aquele penteado rivaliza com o do vital candidato. Ainda por cima, são um mostruário do politicamente correcto: branco e cerdoso, o do candidato, um exemplar de alvura digna da farinha Maizena; negro e hirsuto, o da ministra, impecavelmente desprovido de cabelos grisalhos, mau grado a idade. É para todos os gostos, uma união nacional capilar. E são esculturais penteados – no sentido da palavra "escultura": inertes, sem se embaciarem com as revoadas de vento que levarem pela frente. Não há cabelo que apareça fora do sítio. Parecem penteados moldados com gesso, um gesso invisível que transforma o aglomerado de cabelos numa obra de perfeccionismo.


Espaço para um exigível parêntesis de contextualização: espero que não haja denúncias sobre a sátira aos penteados de suas excelências, ou arrisco processos por infâmia e danos na imagem das personagens – ou, pelo menos, um assertivo puxão de orelhas acompanhado pela advertência ao jeito de quem diz "isso não se faz". Nesta terra muito sisuda, onde se ensina que com coisas sérias não se brinca, há gente que se julga acima do humor alheio. Curiosamente alguma dessa gente é anti-clerical dos quatro costados (também eu), mas junta-se aos fradescos da igreja e seus acólitos que destilam um condoído ultraje quando o humor jorra a rodos, satirizando a igreja: também esses ícones anti-clericais detestam ser parodiados.


Estes dois penteados são esquiços de aerodinâmica que levariam ao rubor, por vergonha, afamados projectistas da Fórmula 1. Se os nadadores fossem obrigados a usar massa capilar (protegem-se com toucas, ou são propositadamente calvos), tirariam o modelo pelo candidato vital ou pela imaculada ministra da saúde. Toda aquela perfeição sugere que, debaixo de água, os penteados não seriam pièces de résistance; seriam, isso sim, mísseis aptos, com a sua desenvolta aerodinâmica, a sulcar as águas a vertiginosa velocidade.


Aqueles penteados notabilizam os respectivos cabeleireiros. Aposto que nos salões que frequentam, as paredes estão preenchidas com fotos que ilustram o garbo dos penteados do candidato vital e da monótona ministra da saúde. Quantas horas passam nos toucados para aprimorarem a obra de arte que esconde a massa encefálica? Que fortuna já gastaram para terem a massa capilar farfalhudamente organizada pelo traço da régua e do esquadro?


Estes penteados harmoniosos cheiram-me a esturro. Quem não tem um cabelo fora do sítio, nem em dias de furioso vendaval, não é de confiar. Viola os cânones da natureza. Andamos despenteados ao vento, uns a comporem a melena porque é como se o desarranjado cabelo tivesse levantado voo a uma peça de roupa íntima, outros sem se importarem com a desgrenhada figura que a ventania neles semeia; e vemos o vital candidato e a soporífera ministra sempre com a cabeleira impecavelmente arranjada. Não há encostos, empurrões, água jorrada de algures, ou ofensivos impropérios que despenteiem o primeiro. Nem o temor por uma pandemia a sério, ou esfuziantes turistas envergando sombreros mexicanos acabados de aterrar na Portela, que tirem um cabelo do sítio à segunda. É injusto. E suspeitoso. Tresanda a falácia.


Nisto de penteados, se é que pode haver um "ideal", o meu é o do senhor que aparece na fotografia lá em cima (às apresentações: Boris Johnson, o equivalente ao presidente da câmara de Londres). A anarquia também pode conter harmonia.

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