As insónias guiavam as dores da tristeza que o consumiam por dentro. A tristeza que se insinuava na incapacidade de ler na existência as coisas belas que dela irradiavam. Era uma estranha melancolia, silenciosa e traiçoeira. Dor que sentia sem que paradoxalmente sentisse dor. Até os dias soalheiros vinham coalhados com a cor enlutada.
O que apetecia era fugir. Às vezes, empreender uma caminhada sem destino, apenas guiada por uma bússola sem norte – ou o destino tracejado pelos ventos do momento, um errante destino que não curava de albergar inquietações. Outras vezes, apetecia encontrar um esconderijo para se refugiar do mundo. Uma penitente solidão que tragasse de vez as dores da existência, as dores do mundo que o consumiam. O esconderijo seria o mundo de uma pessoa só.
Do esconderijo haveria de redescobrir alguma essência de si. Haveria, por fim, de encontrar um lugar para a sua existência, regressar àquela pessoa que conseguia encontrar os passos por onde alguma felicidade o ungia com seus dedos. De onde conseguia, com a generosidade de se sentir feliz, aspergir alegria nos outros, chegados a si. Os males redobravam-se pela incerteza dos balsâmicos efeitos do refúgio que buscava. Não garantia que o esconderijo pudesse ser o mágico lugar de onde sairia com as pazes em si. Só que não conseguia acertar os passos pela funesta impressão de que o esconderijo até podia ser o fatal lugar de onde nem sequer regressaria à vida.
E se o esconderijo anunciasse apenas um simulacro de vida, uma mirífica encenação onde apenas a imaginação sussurrasse nas esquinas do pensamento um lugar idealizado para ser? Só que de idealizado, um impossível lugar. Até podia encontrar o esconderijo sem mudar de lugar; no mesmo lugar haveria de construir uma carapaça, lá dentro o seu particular refúgio de onde se esconderia das dores do mundo em redor. Um biombo alto e opaco a impedir que as voltas fétidas do mundo continuassem a encerrar uma sombria peregrinação a caminho da desfortuna.
Desconfiava que o esconderijo era uma ilusão. Uma fuga para diante, a confissão de uma derrota pessoal perante o mundo transformado em lugar insuportável. Às vezes interrogava se ele é que não se tinha transformado num insuportável ser. Esse podia ser o mal maior. A visão desfocada a toldar o discernimento, a deixar um rasto plúmbeo, desagradável. A certa altura, a convicção que os seus dedos deixavam cicuta nos lugares por onde passava. Em redor, semeava desventura.
Neste convencimento, soava ainda mais alto o apelo ao refúgio. Em todos os dias em que as dores mais surdas envenenavam a existência, crescia a ilusão de um esconderijo. Não sabia ao certo a finalidade do esconderijo. Não sabia se traria uma cura para os fatais males que o atormentavam. Ou se no esconderijo haveria de encontrar o segredo para contemporizar os males do mundo que semeavam todo o sofrimento interior, deixando então de o fazer. Queria que o esconderijo ensinasse a ser generoso. Queria que o esconderijo fizesse desaparecer alguma da prosápia que o consome como fogo intenso misturado com o sangue a espalhar todas as dores que incendeiam as veias. Para dúvida nenhuma encontrava resposta. E nem para se refugiar no esconderijo que julgava balsâmico se conseguia desprender da inércia que dele tomava conta – ou da ausente coragem para o fazer.
Entretanto, consumia-se numa peregrinação pungente. Soçobrava diante das repetidas encruzilhadas. Uma vida metida nos contrafortes de numerosos labirintos. De labirintos com corredores sobrepostos, num desorganizado, caótico quarto sem tecto, nem chão, nem paredes. E, todavia, um esquizofrénico lugar onde a existência se espartilhava nas suas dores interiores. O dilema onde desaguavam todos os dilemas: talvez o esconderijo não fosse cura para os males que o atormentavam. Talvez fosse, até, o destino final. O destino fatal.
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