28.5.09

Insisto: as campanhas eleitorais fazem mal à saúde (a começar pela dos próprios candidatos)


Anunciei: estou em reclusão de noticiários televisivos para não apanhar com a violência intelectual da campanha eleitoral em imagens. Não quero que as imagens de comícios populistas, arruadas folclóricas e candidatos aberrantes me entrem pelos olhos. Mas continuo a ler notícias em jornais.


Cada vez mais me convenço que as campanhas eleitorais fazem mal à saúde pública. E à saúde dos próprios candidatos imersos na agenda apertada da campanha. Se me deixassem escorregar para o mau gosto, trazia à lembrança a anterior campanha eleitoral para as eleições europeias, que tirou a vida ao cabeça de lista do PS após uma conturbada visita a Matosinhos. Não é preciso tanto. É só olhar em redor e ver como os candidatos têm que visitar feiras e orfanatos e empresas públicas e aturar sindicalistas exaltados. E destruir o fígado e o estômago em jantares e mais jantares que reúnem o cortejo de apoiantes. Ou como resvalam para a indigência mental quando as palavras se entoam no seu ridículo: é quando, contagiados pela febre demagógica que tem o seu zénite na campanha, desfiam um rol de propostas e promessas espalhafatosas, ou quando são apanhados no contra-pé da gaffe.


Dois exemplos dos últimos dias. O impressionante e vital candidato socialista continua na senda da rebeldia partidária, soltando palavras que se combinam em propostas ou ideias que atrapalham a agenda do partido que o leva a concurso eleitoral. Os independentes, se lhes dão rédea solta, são um bico-de-obra para a disciplina que as seitas partidárias adoram impor. A derradeira novidade é a ideia de um imposto europeu. Para o vital candidato socialista, "mais Europa" exige um compromisso dos cidadãos. Se querem "mais Europa", com todas as garantias que a Europa lhes pode dar, devem pagar por isso. O resto – a explicação da proposta, que enigmaticamente ficou reservada para depois da eleição – fica por conta da inquestionável autoridade académica e intelectual do candidato.


Não quero exibir credenciais europeístas, mas duvido que as do vital candidato socialista sejam superiores às minhas. E não vejo que "mais Europa" exija outro imposto a sobrecarregar a carga fiscal que temos que suportar. O mal destes europeístas de pacotilha, que aprenderam à pressa umas coisas sobre a União Europeia, é acreditarem que "mais Europa" é sinónimo de centralização de poderes, de mais e mais matérias entregues nas mãos das instituições da União Europeia. Em vez de colocar a carroça à frente dos bois, a prudência exige que se perceba se as circunstâncias aconselham as soluções de quem se vê no papel de "vanguardista do europeísmo".


Não se sabem os detalhes da assombrosa ideia do vital candidato socialista. Talvez não seja tão vanguardista como o candidato a acha, pois o patriarca da seita já dela tinha falado há dez anos, quando foi cabeça de lista às eleições europeias. No desconhecimento dos detalhes – e como se pode confiar num candidato que apresenta uma ideia e promete que só a concretiza depois de ser eleito? Eleger um candidato é um cheque em branco? – duas perplexidades. Primeira, um imposto europeu vinha aliviar os impostos que pagamos ao nível nacional? Os ingénuos que ainda não saibam o que é socialismo em acção que acreditem na resposta afirmativa. Segunda: o imposto europeu, porventura uma caução forçada de solidariedade europeísta dos cidadãos, seria uma percentagem uniforme do rendimento das pessoas? Como justifica o vital candidato socialista, que tanto se diz preocupar com a "justiça social", a tremenda iniquidade deste imposto? É que tirar, digamos, 2% ao rendimento de um português não tem o mesmo peso relativo que retirar 2% ao rendimento de um holandês.


A outra fantástica lucubração eleitoral, li-a algures, reproduzindo a arrebatada oposição da extrema-direita contra o processo que trouxe a União Europeia até aos dias de hoje. Perguntava, indignado, o candidato: houve referendo à entrada de Portugal nas Comunidades Europeias? Houve referendo ao Tratado de Maastricht? E referendo à entrada no euro? E o que aconteceu ao prometido referendo ao Tratado de Lisboa? Não sabia que a extrema-direita gosta tanto de eleições para perguntar ao povo se concordava com tudo aquilo.


Se calhar, a reclusão de noticiários televisivos não é suficiente. Talvez deva haver também reclusão de jornais. E de todos os meios que tragam notícias.

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