17.11.09

Injustiçado Vara



Corre à boca pequena que esta terra está inundada de corrupção – da pequena, da média, da grande corrupção. Dos favores que se pagam com favores adiante, tantos que talvez fosse preciso um gigantesco computador para anotar o dever e haver do tráfico de favores. Foi logo calhar em azar a Vara um escândalo de corrupção. Diria, uma corruptela de corrupção. Pois Vara pediu dez mil euros para alimentar uns canais influentes que inclinassem decisões a favor do sucateiro corruptor. Dez mil euros, uma bagatela. Ainda se fossem cem mil euros, ou um milhão de euros, ou uma quota na sociedade com o sucateiro…Está visto: é uma cabala para atingir o primeiro-ministro.

Muito a sério: tenho pena de Vara. A sua brilhante carreira interrompida por um pequeno nada. Haveria de calhar em sorte uma conjugação de factores que são um euromilhões ao contrário. Um parceiro de comandita tão arrivista como o arrivista que veio da província e, de repente, acordou administrador de um grande banco. Uma brigada de investigadores policiais com inveja da fulgurante e, dir-se-ia, inteiramente merecida ascensão do transmontano. Em vez de se meterem com o peixe graúdo, esse que veste fatiota garbosa e mexe com dinheiro, muito e sujo dinheiro, foram à pesca de Vara. Está-se mesmo a ver: só para atingir o impoluto primeiro-ministro.

As solidariedades são para as ocasiões. Acho encantador que a secção lusitana da internacional socialista esteja mobilizada contra a pérfida justiça. Acho muito bem que se levantem suspeitas contra esta justiça que – todos sabemos – é tão inepta. Se temos juízes tão incompetentes, como podem trazer para a lama da suspeição pessoas valorosas como Vara. Para não variar, o Dr. Soares, patriarca do regime e penhor máximo da democracia, está coberto de razão quando avisa a justiça: senhores juízes, senhores polícias, tenham cuidadinho. Vejam lá com quem se estão a meter! Se eu fosse juiz ou estivesse na investigação policial destas negociatas perfeitamente legítimas (a lei é que está errada…), tremia de medo ao escutar o patriarca do regime advertindo a justiça para não escorregar para a sua privativa "face oculta". Parafraseando alguém que hoje se passou para os negócios, "quem se mete com o PS apanha".

Esta terra devia dar-se a conhecer ao mundo com uma nova lança em África: desta vez, reconfigurando o Estado de direito, mudando o sentido da igualdade de todos perante a lei. A lei não se aplicava aos intocáveis, estatuto a definir pelas secções nacionais da internacional socialista. Só para confirmar as profecias de Orwell e acalmar a fúria dos senadores e demais fauna socialista, que andam tão cheios de azia que ainda lhes dá uma coisa má.

Custa mais a desdita de Vara porque se nota – cheira à distância – que isto foi cozinhado para apanhar o querido líder em contramão. Essa agora, cercear-se a vida pessoal do querido líder; um dia destes, os governantes deixam de ter acesso à vida pessoal – era o que mais faltava! Tenho a impressão que o azar de Vara vem a dobrar por ser amigo de quem é. Que imprudentes foram aqueles telefonemas. Deviam, ao menos, falar em linguagem cifrada, para baralhar os neurónios dos investigadores. E depois há a insuportável inveja que goteja por todos os lados nas apreciações desagradáveis deste duo de visionários. Os fascistas sociais em asqueroso vómito porque outros, vindos da província e sem a linhagem social nem pedigree académico, tomaram conta do poder. São esses que conspiram na justiça. Todos (conspiradores e os vendilhões dos juízes) frequentam os salões onde se esboçam as intrigas contra os que só aspiram dar voz à democracia pura – aquela com todas as janelas abertas à igualdade de oportunidades. E não percebem, esses mesquinhos, que é a falta de linhagens que alimenta a mudança que poderia tirar esta terra da miséria. Se ao menos soubessem que Vara e o amigo primeiro-ministro são a encarnação do D. Sebastião por que se desfazem em preces…

O governador do Banco de Portugal (outro visionário que, diz-se por aí, dentro de meses será vice-presidente do Banco Central Europeu – mais outra sinecura europeia a calhar a um patrício, puxando lustro à já luzidia portugalidade) é que a sabe toda. Quando Vara interrompeu a actividade de "banqueiro", o visionário Constâncio lavrou a sentença definitiva: o camarada de partido era um exemplo a ser seguido.

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