30.11.09

Perigoso andar pelas ruas de Lisboa



E não é pelos assaltos, ou pela insegurança nocturna, ou porque as ruas estejam apinhadas de mendigos do leste europeu que, diz-se, se servem do estatuto para perigosas manigâncias. Nada disso. Vindos do nada, podem irromper a uma velocidade alucinante "automóveis oficiais" com grande chinfrineira a avisar da importante figura que segue tão apressada. E pode acontecer, como aconteceu há dias, que se estatelem num acidente de viação de que os ocupantes levam medalhas para contar aos netos.

Onde está a segurança de quem vai na rua e tem o azar de dar de caras com os malabarismos de aprendizes de Fittipaldi que ninguém persegue? Coisa irrelevante que cede perante o atraso, a urgência e a extrema importância de quem pode atropelar cem regras do código da estrada ao fim de um dia. Já não se pode andar sossegado pelas ruas da capital. Ainda se queixam os nortistas dos perversos efeitos do centralismo do Terreiro do Paço. Aqui do Porto, reforço a exortação: regionalização não, obrigado. Depois tínhamos que apanhar com os representantes da região em vertiginosas corridas pelas artérias do Porto, sempre com o coração ao pé da boca até que nos calhasse em azar estar num cruzamento em que duas "viaturas oficiais" faziam ouvidos de mercador a um semáforo vermelho e chocavam com estrépito. Gosto de andar por estas ruas e saber que não apanho um desvairado "veículo oficial" em derrapagem descontrolada.

Quando li a notícia num local insuspeito de dourar a pílula ao governo (não a RTP ou um daqueles órgãos de comunicação social do "amigo Oliveira"), uma testemunha do acidente disse que foi atingida por alguns destroços dos carros entretanto feitos sucata. (Juro que não há ligações conspirativas; já não se pode usar a palavra sucata?) Outra pessoa confirmou que o inspector das polícias terá partido os queixos porque não levava o cinto de segurança e foi projectado. Não digo que esta gente se acha tão importante – tão importante que mergulha na sinecura e no oceano de privilégios que os faz andar de nariz empinado, tão senhores da sua importância – que deixa para os outros o respeito pelas regras? Ponto da situação: não chegava andar a uma velocidade assassina por ruas onde o código da estrada só permite circular a cinquenta quilómetros/hora; ainda por cima, o figurão viajava sem o cinto de segurança.

A rapidez digna de provas automobilísticas com que as "viaturas oficiais" rompem as ruas não é de agora. Quem nunca foi ultrapassado numa auto-estrada por automóveis escuros, escoltados por motas da brigada de trânsito, os pirilampos acesos que afastam a maralha do caminho, tragando o asfalto a mais de duzentos quilómetros/hora? Mal anda isto     que, há que o lembrar, se diz um "Estado de direito", e condescende com a marosca de aos figurões serem permitidas excepções que na gente comum são duramente punidas.

Eu não quero saber que o senhor ministro vá atrasado para a função. Muito menos me importo que o senhor ministro esteja mergulhado em mil e um afazeres que infernizam a sua agenda. Quero que o senhor ministro vá à mesma velocidade que eu posso circular em estradas e auto-estradas. Do fundo da ingenuidade que me amacia, gostava de ver a "comitiva oficial" parada na berma da auto-estrada quando fosse apanhada em excesso de velocidade, e de cada vez que o senhor ministro fosse apanhado na largueza do banco traseiro sem o cinto de segurança apertado. Gostava de ver o polícia de serviço a tirar identificações, a verificar documentos, a passar uma multa.

Gostava que tudo isto não fosse uma ilusão. E nem é que me interesse muito a queixada do inspector das polícias, mas se tudo isso não fosse uma ilusão ao menos o senhor todo-poderoso inspector não estava cheio de dores numa cama do hospital onde foi operado à fractura nos queixos. Menos mal enquanto as "viaturas oficiais" andarem a brincar aos carrinhos de choque entre si e não envolverem mais ninguém.

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