Sem querer, nem saber ao que ia, fui desaguar numa festa de aniversário de um jornal sensacionalista – o 24 Horas – com muito arrivista social e muita gente que depois aparecia enjoativamente em fotografias, tão ao género cultivado pelas revistas sociais, projectadas na parede do recinto.
A culpa foi da outra metade da sociedade conjugal. Ela sabe do que a casa gasta. Fosse ela revelar ao que íamos e sabia que na minha companhia não ia parar àquela festa. Soube-me pescar como deve ser. Disse que era um "evento" (nunca usou a palavra "festa") em que uma empresa de catering nossa conhecida se ia estrear no negócio do sushi. O pretexto ideal para me empurrar para um local e uma circunstância onde, sabia-o bem, jamais poria os pés se soubesse ao que ia.
Uma vez lá entrado, não podia colocar trombas em sinal de desagrado. O sushi prometia e o anfitrião (não o jornal; o senhor Mendes, da empresa de catering) foi tão amável que não merecia a desconsideração. Interiorizei o desconforto e tentei não contagiar o fácies com a sensação do peixe fora de água (que era assim que me sentia – e juro que a sensação não era influenciada pelo peixe cru que estava prestes a comer). O truque não era fazer de conta que o peixe respira fora do aquário. O truque consistia em apreciar a fauna que ora se extasiava, ora lançava olhares furtivos em redor para ver quem estava e se assegurava que era vista.
Tive que me entreter com o ambiente em redor. Era heterogéneo. Por lá pululavam os connaisseurs do métier, ou seja, aquelas caras repetitivas que não paravam de aparecer nos diapositivos projectados numa das paredes do recinto, como se fosse um exercício de onanismo narcísico dos ditos. Andava gente engravatada, de outra faixa etária (mais avançada), que parecia medir os passos com a timidez de quem não se encontrava à vontade no meio. Pareciam-me altos funcionários bancários – que os jornais, como tudo o que se mexa, dependem da generosidade creditícia dos bancos. Traziam a tiracolo a prole adolescente. Elas com vestidos de gala, eles engalanados com pulôveres de cores garridas. Uma vampe, no interstício dos quarenta e dos cinquenta, a esvoaçar o frasco inteiro de perfume que havia derramado nas vésperas do acontecimento. Ela cirandava, altiva, ostentando os implantes mamários que sacou ao endinheirado consorte, reivindicando os olhares masculinos para conforto das suas fantasias indizíveis. E havia muitos representantes da sexualidade alternativa (bem entendido: alternativa em relação à minha) que emprestavam um colorido especial à festa.
O sushi estava divinal e o senhor Mendes de parabéns. A música condizia com a fauna dominante – kitsch quanto basta. Como a noite coincidia com a noite das bruxas (ou o halloween, ou lá o que isso é – outra americanice que importámos nesta aculturação sublime), havia duas raparigas fantasiadas de bruxas metidas dentro de uma banheira à entrada do recinto (simulando um tórrido banho lésbico?). Definitivamente, a noite estava esquisita: bruxas lésbicas na baixa da cidade e eu numa vernissage para uma certa "casta" social portuense. Diria a minha mãe, uns dias depois: "até peixe cru comeste, meu filho".
Para caldear a noite, quando os neurónios se cansaram do desfile de vaidades e vaidadezinhas, metemos o corpo à morrinha que caía e demos uma saltada a um bar alternativo (digo, com música alternativa) nas redondezas: o Rendezvous, passe a publicidade. E se a noite estava estranha. Confirmei-o no dia seguinte, ao saber que naquela noite tinha morrido o ícone radiofónico (António Sérgio) que me dera a conhecer a música que tinha ouvido no Rendezvous (Cocteau Twins).
Estranha, essa noite. Continuo a acreditar que bruxas não as há (se fossem todas como as que ensaiavam o banho lésbico, teria outra opinião, contudo). Do seguinte estou certo: não quero voltar a fazer crónica social – esse género deplorável.
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