Esplendorosas são as palavras que soam estranhas à multidão. As sedutoras ideias, aquelas que pouca gente conhece, as que se expõem à condescendência de quem olha para uma aberração com piedade. Doem, e doem imenso, as avenidas alindadas pelo pensamento corrente, o pensamento que se agiganta na adesão das maiorias. Desse pensamento, dir-se-ia trilhos onde as rodas da acção têm que caber. Fora desses trilhos, o deserto, a estultícia, uns vestígios de raciocínio esparso que se amontoam numa pilha indiferenciada. Neles não se revendo a maioria, merecem o ostracismo intelectual.
Entre as margens do que se convencionou nomear "politicamente correcto" sobra terra queimada. Qual será o maior golpe na auto-estima de quem pensa essas ideias? A recriminação por ser tutor de mente retorcida? Ou ser olimpicamente ignorado, remetido para o canto onde se avolumam, na sua ínfima pequenez, todas as irrelevâncias que ganham esse estatuto por singular decreto dos senhores das verdades? Tenho um palpite: ser ignorado é um punhal cravado até ao fundo das entranhas, um punhal invisível e, talvez assim, letal. O pior dos sintomas. Ao mesmo tempo, uma consolação interior. Não chegam a ver os dedos em riste espetados mesmo à frente do rosto, enquanto vozes (ora indignadas, ora iradas) esbracejam o roteiro da "moral" violada pelo pensamento dissonante.
Às vezes, só por espírito de contradição, uma incontrolável pulsão de ser só pela diferença. Fermentado por uma vontade insubmissa de demolir a envenenada tralha apresentada como viveiro de ideias aceitáveis. É quando uma interrogação se faz à maresia que polui os pensamentos aprisionados nas hesitações: a dissonância, a convicção da rebeldia, apenas um frémito para pontuar a diferença só pela diferença? Ora, as ideias querem-se na sua genuinidade. Quando as causas rebeldes desmerecem o seu contrário apenas pela bitola da antítese – a antítese pela antítese – serão ideias embebidas no cálice da benta água genuína? Ou um excurso de posições firmes que se enraízam à passagem insidiosa dos imperativos categóricos do pensamento convencional?
Este é o dilema cortante: não basta chamar a si o rótulo da rebeldia, mostrar, com mal disfarçada vaidade, alguma erudição emparelhada nas ideias que se extraem da camisa-de-forças onde vogam os padrões estabelecidos. As ideias fora do comum têm que abrir os seus próprios portões para não se encarcerarem no hermetismo mental tão criticado nos seus contrários. Só que então esbarram num paradoxo indeclinável: a abertura mental ao que voga nos seus antípodas é a negação dos enunciados. A flexibilidade que as distingue do monótono, larvar rugido das vulgares ideias consagradas é como dar o flanco às ideias politicamente correctas. E assim que as habituais ideias de todos conhecidas lançam o arpão para apanhar o flanco, é como se um organismo fosse invadido por virulenta doença sem cura.
O que interessa? Ser pela diferença por não nos revermos nas lamacentas águas turvas que enjoam os sentidos, as águas tomadas pelo pensamento dominante? Nem que nisso não haja espontânea adesão a ideias, apenas uma reacção adversa por antinomia? Peca o ausente discernimento quando às portas bate, teimoso, um demónio que contagia fragmentos de radicalismo. Nestes tempos de patrulha de pensamento, prefiro inclinar-me para as radicais, diferentes ideias. Nem que amiúde a lucidez fique à míngua entre os escombros da endeusada coerência, da coerência que se quer em nós como ponteiro que orienta as deambulações da bússola.
Esta é a maior abertura: admitir que transitamos por terrenos onde as ideias se fertilizam em árido e pedregoso solo. Os pés tropeçam, frequentemente. E admitem que tropeçam, corrige-se o passo doravante só para evitar a repetição de passos em falso. É terra desagradável para escanhoar as ideias fora do comum. Ao menos, há humildade intelectual para reconhecer a pulsão de quem se mobiliza, em jeito de reacção, contra a desassisada arrogância dos sacerdotes do pensamento estabelecido, da sua miraculosa infalibilidade. Percebo-os (sem falsa condescendência): prouvessem os flancos expostos à água corrente que vem do exterior, como podiam afiançar a tão sagrada calmaria, a endeusada segurança a que os adoradores do sistemático dão prioridade?
Eu prefiro cabeças a pensar. Por si mesmas. Não cabeças resignadas à anemia do pensamento, limitando-se a ser acríticas seguidoras por terem na estabilidade o maior dos valores.
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