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O dia em que o dia se faz mais majestoso do que em todos os outros dias. O dia em que o dia mais entra no território da noite e a encurta a uns tímidos fragmentos. Não é que a noite tenha o seu pânico macerado. Continua a existir. Uma noite minguada pelo perseverante dia que, nos dias que vinham de trás, crescia dois minutos de cada vez, às vezes três minutos. Como uma maré imparável que vontade nocturna alguma conseguira derrotar.
O dia mais longo traz consigo o Verão. Os dedos cansados da Primavera foram escavando nas profundezas da sombria noite os minutos que engrossavam o viveiro diurno. No dia mais longo, esses dedos extinguem-se. O Verão não faz jus à faina primaveril. Por estas alturas, o almanaque que mostra as horas da alvorada e do ocaso recorda-me a fábula da formiga e da cigarra. Se La Fontaine fosse exímio observador do movimento dos astros não teria feito um fábula de entomologia. Teria mais nobreza a fábula se o Verão e a Primavera fossem seus protagonistas.
No dia mais longo, o horizonte apruma-se no porvir do emagrecimento dos dias. É um zénite. Fugaz, como todos os zénites que só na memória permanecem intemporais. É como nos feitos conseguidos ao cabo de árduo esforço. Na sua consumação fermenta uma sensação de vazio. Por vezes, a insuportável sensação da inutilidade de tanto suor derramado. A seguir ao ponto mais alto está aprazada a queda no precipício. O ponto mais alto, como o dia mais longo, doentia exaltação de uma colossal fragilidade.
E, todavia, o dia mais longo é de um perfume encantador. Ver como o ocaso se demora, na teimosia do sol senescente que se deita vagarosamente por detrás do céu ocultado pelo horizonte. E apreciar, depois das poucas horas nocturnas, como do lado nascente a escuridão é invadida pela luz clara e azulada que anuncia a brevidade do sol como nunca imperial. Antediz o almanaque que o sol espreita às seis horas e um minuto. Pouco depois das cinco horas a madrugada aclara-se. Não sei explicar, mas o laconismo nocturno tem em mim um apelo irresistível, produz um misterioso efeito telúrico. Diria que o dia mais longo é o lugar da pureza do oxigénio.
No tremendo altar das impossibilidades, porfio na eternização do dia mais longo. A folha do calendário a seguir a vinte e um de Junho seria outro vinte e um de Junho – e por aí fora. Até que irrompesse o cansaço do dia mais longo repetido à exaustão. Não consigo reprimir o malogro ao saber que agora é a noite que vai furtando uns minutos aqui, outros ali, à claridade diurna. Dou, sem querer, um salto nos meses e aterro no pino mais alto do circunspecto Inverno. Quando o dia mais escasso marca encontro com a agenda. O dia diametralmente oposto ao dia mais longo. O dia tristonho debatendo-se na sua pequenez, numa claridade intimidada pela intrusiva noite. Fotografaria os mesmos locais a vinte e um de Junho e a vinte e um de Dezembro. Para ler as fotografias nas páginas pares e ímpares de um álbum visual. Anotando as diferentes tonalidades, as cambiantes da claridade impregnada de invernia e da claridade embriagadamente alva quando o Verão depõe a Primavera.
Gostava, um dia, de viver o dia mais longo junto às terras mumificadas pelo gelo árctico. Lá, onde a consulta do local almanaque não conta a hora do sol posto nem do sol nascente – pois só há “dia polar”, dia ininterrupto. Estaria acordado as vinte e quatro horas do dia só para apreciar um dia inteiro despido de noite. Um tremendo festim de oxigénio em forma pura.
1 comentário:
Gostei do seu texto. Posso dizer que já visitei o local da sua imagem, e fiquei maravilhado.
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