7.4.11

1.000 segundos


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Os lençóis desarrumados: a mortalha dos corpos derrotados pelo cansaço. Arvoraram-se guerreiros de uma batalha feroz, as línguas salivando a combustão que ardia forte por dentro das veias em incandescência. As gotas de suor escorriam. Pela fronte, pelas costas, nos seios firmes que o aconchegavam nos interstícios da função. Corriam contra o tempo, numa sofreguidão que pressagiava a proximidade do fim das eras.
Falavam pouco. Jogavam os corpos um contra o outro, entrecortando a coreografia desenfreada com olhares fundos que desatavam a lascívia. O tempo encurtava-se. Não o podiam deitar a perder em conversas espúrias. O desejo que se consumia na ardência das veias silenciava as palavras que pretendessem entoar. Só balbuciavam as palavras que ferviam o desejo, como a lava adormecida que se agigantava pelas estreitas paredes abraseadas que a levariam ao sopé da montanha.
Ele tacteava a pele aveludada dela. Os dedos corriam pelos braços, desciam o dorso, demoravam-se nos seios. Naqueles minutos, sempre breves minutos, corriam contra a tirania do tempo severo. Só contavam os arabescos que pincelavam as telas mentais. Não havia peias. De cada vez que se misturavam com os lençóis, menos peias. Em equação com a cumplicidade que os breves minutos consolavam. Os dedos continuavam a desenhar trajectórias imperceptíveis nas curvas suaves do corpo dela. Detinham-se na curva esplêndida formada pelos quadris, de onde fervilhava nova leva intensa que só terminava na oclusão dos sentidos, em arrebatamento final.
Não tinham sequer tempo para apreciar o repouso que a superação convocava. Na mesinha de cabeceira o relógio tiritava os segundos imparáveis, uns atrás dos outros, numa cadência que desempoeirava as efervescências interiores. Havia vezes em que lhes apetecia ter um martelo à mão de semear. Só para desferir um golpe seco que fertilizasse a morte do tempo. Às vezes, ainda tinham tempo para sussurrar que talvez a destruição do maldito relógio enclausurasse o tempo numa inércia apetecida. Ficariam na perenidade dos corpos nus, entregues nos braços recíprocos. Como se mais nada importasse. Nada mais existisse.
A hora marcada anunciava-se, porém. A hora de regressarem às roupas aperaltadas e às vidas respeitáveis. Os seus corpos – sabiam-no – eram santuários perfeitos, um mar ora manso, ora deliciosamente revolto. Eram os instrumentos que dedilhavam em odes ao prazer que os corrompia. Um degredo que só a eles competia conhecer. Por entre a luz intensa esgrimida pelo sol quente a meio de uma tarde de verão, entreolharam-se uma última vez antes de deixarem o refúgio. Entreolharam-se por uns segundos que mais pareciam longos minutos cheios de palavras esvaídas através do olhar.
Mil segundos e nada mais. Mil, bem contados, segundos – fizeram os cálculos, numa das vezes em que, em segredo, ciciando palavras quase inaudíveis, entrelaçavam cumplicidades ao telefone. Ela perguntou-lhe se não o sobressaltava a vida colateral. Se não mergulhava no fundo dos remorsos. Por ele, por ela, pelas demais vidas cruzadas que prosseguiam no desconhecimento. Fez-se um silêncio, uns longos minutos. Ele pôs fim ao silêncio, rumorejando com voz robusta: “quando é que te volto a ver?”  

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