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Um livro infantil. Os protagonistas: quatro personagens que retratam diferentes formas de imundície. Fogem a sete pés do asseio. Os quatro protagonistas não são – não se pense – os maus da fita. São mercenários da rebeldia, os dois olhos sempre atentos às brigadas que vasculham todos os lugares na repressão da sujidade que semeia doenças e espalha a desagradável anti-estética.
Travei conhecimento com o livro numa recensão na Rádio Universitária do Minho. Por desatenção inicial, não fixei o nome do autor e do título da obra (e as mãos ocupadas no volante não deixaram registar os dados do livro numa mnemónica). Nem memorizei os nomes infantilizados dos arremedos de porquidão que eram os heróis da historieta. Fiquei a saber – porque o especialista em literatura que desfolhava a recensão o ensinou – que os petizes depressa vão entender que a mensagem está no oposto do que se supõe ao reter a literalidade do livro. As criancinhas, tão lúcidas quanto a maturidade já admite, vão ler a narrativa e depressa tiram as conclusões como deve ser. É tudo no seu contrário: os maus da fita é que vêm coroados com a sacra aura e os bonzinhos são diabretes da sujidade que os pequenos leitores combatem no quotidiano.
Agora há, no género da literatura infantil, histórias que encerram segundos sentidos. Pior: que cogitam uma “lição de moral” (que as histórias infantis adoram pregar “lições de moral”) nos antípodas das revelações da narrativa. Compete aos pequenos leitores perceberem que a história não é para ser seguida à letra. Admita-se que os petizes nascem com especiais dons, desconhecidos das gerações anteriores. Admita-se a sua proficiência – vá lá – pela informática, a destreza com que mexem em computadores e consolas de jogo e afins. Daí a fazer de cada criancinha uma sobredotada vai uma diferença abismal. Se os petizes ainda estão no tirocínio da leitura, como são capazes de descobrir as entrelinhas do texto?
Dirão que é para isso que serve a leitura acompanhada. Os pais, avós, ou irmãos e primos mais velhos estão ao lado de uma criancinha quando ela se aventura em leitura infantil elaborada. As leituras orientadas têm essa serventia: o narrador não se limita a reproduzir as palavras escritas no livro; é o condutor da narração, com as exclamações devidamente enfatizadas, pausas que expliquem o que merece contextualização, um intervalo quando aparecem palavras dispendiosas que só na cabeça dos autores de literatura infantil são vocabulário comum dos leitores de tenra idade.
Desconfio que muitas vezes nem com leituras acompanhadas a coisa lá vai. Há tanta iliteracia funcional por aí, tantos doutores e engenheiros incapazes de tirar o sentido de um texto, que até os que se prestam a serem guias de leitura em histórias infantis mergulham em tristes figuras. O mal é que, convencidos da lhaneza da história e que o seu sentido só pode ser o que se subtrai da literalidade da narrativa, nem dão conta das tristes figuras por que passam.
Assim como assim, nota-se (agora que a Primavera trouxe as primeiras temperaturas com sabor a Verão) que a higiene pessoal não é predicado farto, sobretudo quando frequentamos locais apinhados de gente. Como pode o especialista em literatura abonar que até os progenitores dos petizes sabem aclarar a mensagem daquela narrativa sobre hábitos de higiene? Às duas por três, teríamos muitos adultos (em pose de guias de leitura) a ensinarem às criancinhas que aquela historieta destrói o mito urbano da higiene e da salubridade.
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