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Ah, uma teoria toda bonita, atirada para cima da mesa a meias com o ar ufano do seu arquitecto. Uma teoria não é dom de qualquer um. Às duas por três, as teorias são sacos enormes povoados pela fatuidade do ar maçador.
Há teorias para tudo. Temos esta necessidade febril de encaixar tudo em teorias, em categorias, como se só através das teorias as coisas tivessem um sentido. Por vezes, as teorias são uma distorção que se congemina só para os factos irem ao alfaiate e serem metidos num fato à medida. Teorias com o lacre do viés. Outras vezes, antecipam-se cenários e fervem-se hipóteses cerzidas com a linha das assertividades. Pode acontecer em mais tenra idade, por involuntária capitulação diante da ingenuidade sazonal. Quando os aniversários já caucionam a maturidade, é uma demência inexplicável.
E as teorias elevam-se desde o nada, açambarcam os rudimentos do pensamento que se entretecem. Contudo, as teorias são levadas a sério. São o catecismo pessoal, um espartilho que amputa os movimentos mentais. Elas parecem tão à prova de sobressaltos, tão impecáveis, que parece que o dedo divino nelas se pousou.
Vai-se em frente, embebido no convencimento das pessoais certezas seladas pelas teorias à prova de bala, quando um abalo telúrico fragiliza os esteios. É a prova dos nove às teorias, expostas ao dilema fatal: ou passam indissipáveis pelo abalo telúrico, os seus fragmentos ainda cimentados, o orgulho sobejando à lapela dos fautores; ou não sobra nada de pé, as teorias reduzidas aos escombros ainda encimados por uma neblina composta pelas partículas dançantes da poeira que sobeja da devastação.
Desapossada a teoria do seu pedestal, emerge uma desorientação doentia, tanta a angústia em que se consome o destroçado arquitecto da teoria derrubada. Os seus pesares são interiores consumições. Espetam ainda mais fundo o punhal. A teoria, aquela menina dos olhos tão embevecida, era de uma inutilidade pungente. Apenas uma construção interior, como se uns óculos particulares redesenhassem a paisagem que passava diante dos olhos.
Mas, ah!, quem consegue escapar a uma pulcra teoria? Elas são peças de um todo enigmático que dá chão à existência. A não sabermos dos locais por onde nos é dado existir, como sabemos que existimos? Não podem ter a importância dos que as defendem com unhas e dentes. Senão, acabamos hipotecados às teorias. Deixam de ser aquilo para que foram criadas (instrumentais) e canibalizam o criador. Põem-no na sua dependência. A teoria, uma construção humana, liberta-se do seu criador. Ganha vida própria. E abate-se como um anátema sobre o seu criador, agrilhoando a sua vontade às algemas da teoria que ganha espessura totalitária.
As teorias deviam pertencer ao lúdico. Podíamos entrar num concurso de teorias rivais. Mas sem as levarmos a sério. Só para nos rirmos à custa da desmontagem das teorias que desfilassem como aspirantes ao reconhecimento. Por que nos empenhamos tanto às teorias? Porque gostamos do casino onde se terçam as teorias. No fundo, não é um jogo de ideias. É um jogo onde os fautores das teorias esbracejam as asas, procurando elevá-las mais alto que os demais.
1 comentário:
Há, pois, que usá-las em proveito próprio, já que se moldam a quaisquer argumentos. Lembram provérbios e estatísticas.
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