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(Ou: se o dia das mentiras arregimentasse os pessoais sete pecados mortais. Mas em versão mitómana)
Perdoar a ingratidão. A sapiência cristã ensina os predicados da tolerância. Pode o punhal ser espetado nas costas, na mais pífia traição. Pode cravar-se fundo na carne, ela toda ensanguentada pela vilania alheia. Se os olhos percebem o autor da torpeza, que não se ceguem pela asfixia da vindicta. Se quem usufruiu da gratidão não a recompensa, insultando-a com a vozearia indigna, que se encerrem os ouvidos e os olhos façam um desvio para outra latitude. Ou então, na perseverança da plenitude prometida, que se deslacrem olhos e ouvidos para a honraria maior que é dada a cada prestimosa pessoa mergulhada nas virtudes celestiais: perdoar. Perdoar, com a intensidade do peito aberto, as ingratidões que agridem.
Os olhos que não se olham de frente. Dizem que são sinal de covardia. Os olhos que não se captam na sua profundidade não escondem personalidades paralelas e torpes. Esses olhos não devem ser evitados. Que não haja temor deles bolçarem um veneno sibilino que corrói as entranhas com o beneplácito de um hipnotismo réptil. Os olhos têm que ser educados. Fitados à exaustão, como se houvesse o imperativo de neles cristalizar um íman pedagógico. Que ensine a não esconder a timidez, ou a covardia, dos olhos escorregadios.
A frivolidade. Não é defeito – é característica. A maneira mais aligeirada de passar pela existência. Ele há melhor maneira de contornar as adversidades? Os tropeções que os pés dão são bagatelas. Construa-se um imaginário onde tudo seja um imenso faz de conta. Onde as palavras trocadas venham embebidas numa superficialidade que exorbita boquiabertos intelectuais sem serventia.
O sarrabulho apetitoso. O sangue cozinhado das bestas decepadas no quintal da moradia rural. É um aroma que extasia os sentidos, marejando a boca numa água que se escorre das papilas gustativas e é absorvida pela língua onde lateja a gula. O sarrabulho, prova da superioridade humana. Não interessam as vampíricas alegorias, que só bebemos o sangue dos animais sacrificados em nossa, humana, honra. Nossa, superior, honra.
Hortelã e cominhos. As ervas melodiosas. Aromas encantadores que desabotoam a inércia do paladar. Onde caem hortelã e cominhos (separados ou em comandita), a iguaria transforma-se num manjar dos deuses. E os deuses são mestres implacáveis na correcção dos acidentes da gastronomia. Os mesmos deuses que desbravam a sua infinita bondade e compulsam a pequenez humana. Devemos uma perene vassalagem aos deuses que inventaram uma natureza tão pródiga em condimentos que dão colorido à gastronomia.
O capitalismo é sinónimo de conspiração. Os capitalistas só querem o lucro. Fazem de propósito para oprimir os desvalidos (todos os que têm condição diferente da sua). Parafraseando o venerável presidente da Venezuela, foi por causa do capitalismo que os marcianos foram extintos. Era a prova que faltava para lacrar o selo da infâmia no sistema capitalista.
O melhor primeiro-ministro de que há conhecimento (este, o demitido). Como pode alguém entronizá-lo como pessoal irritação? Quem estaria disposto a ser permanente saco de pancada? É preciso estofo para ser vilipendiado e aguentar, com uma firmeza cobiçável, o leme num rumo reconhecido. Só ele para nos alcandorar a este invejável estatuto que somos no concerto das nações. Devia-se mudar a Constituição. Para o eternizar primeiro-ministro e impedir as perguntas incómodas dos estafermos que destilam tanta ingratidão, tão cegos que não reparam na presciência de tão notável, e injustamente deposto, governante.
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