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Um naco de escatologia. Canina. Numa localidade do País Basco (Hernani), os donos de cães apanhados em contravenção – os que se esquecerem dos dejectos dos animais na rua – serão identificados, perseguidos e multados. As proezas da nova engenharia social são imparáveis. O que se segue é uma forma romanceada de narrar o episódio.
Um crânio terá sussurrado aos ouvidos da autarca que os cagalhões de cão espalhados pela rua são um terrível desconforto público. O poder alvitrou uma campanha de educação dos proprietários de cães. Que não terá corrido bem. Um belo dia soalheiro da autarca foi perturbado por uma momentânea distracção que fez a senhora colocar o dispendioso sapato em cima de um dejecto canino, deformando-o. Em saltando raios e coriscos da enfurecida senhora, a decisão tomada ali mesmo: a educação dos donos dos cães não tinha sido conseguida com profusamente ilustradas campanhas e pontos de recolha de sacos de plástico para subtrair a merda canina ao chão público. A educação requeria meios estrepitosos. A ordenança foi esboçada em duas penadas a caminho do automóvel, enquanto um zeloso lacaio escorria a mistela viscosa e acastanhada do delicado sapato da poderosa senhora.
Esta sequência inventou uma leva de empregos. Decerto bem remunerados, tendo em conta a especialidade da função e a relevância social da tarefa – quem alguma vez já pisou em cheio um pedaço de bosta canina sabe do incómodo.
Foram abertos concursos públicos para habilitar a ordenança. A começar (na base da pirâmide) por agentes apenas incumbidos de passarem a pente fino as ruas da cidade à cata de dejectos esquecidos numa visita higiénica do cãozinho. Munidos de armamento especial (sacos de plástico higienizados, uma pá de precisão e vestuário protector incluindo máscara contra as inalações indevidas), estes agentes recolhem os cocós deixados ao deus-dará por donos esquecidos ou distraídos (ou desconhecedores da implacável ordenança).
Nas instalações da autarquia, uma ala reservada para o tratamento científico dos restos bolçados pelos intestinos caninos. Uma brigada de especialistas (analistas clínicos com conhecimentos de zootécnica) deita na lente do microscópio um vestígio laminado do dejecto trazido pela brigada de recolectores. Vão em demanda do ADN correspondente. Três passos atrás no calendário: nos primeiros seis meses da vigência da ordenança, os donos de todos os cães foram intimados a levar os animais para cadastramento. Amostras de sangue recolhidas para sequenciação do ADN. A ordenança mandava que todos os cães nascidos entretanto fossem ao cadastramento na primeira vacina. Estava feita a base de dados ADN dos cães da edilidade. É contra esse cadastro que os dejectos caninos são comparados. A identificação dos prevaricadores (os donos, que os animais têm que soltar as excrescências algures, à falta da invenção de sanitários específicos) é imediata.
A última fase deste CSI canino decorre noutro gabinete. Jovens advogados contratados apenas para a contravenção da merda canina instruem os processos que desaguam em multas que enchem os cofres da autarquia. Foram treinados para uma abordagem agressiva em tribunal, caso os teimosos donos enxovalhados pelo CSI canino recorram da multa.
Como é idílica a nova engenharia social! Que educa à força os boçais que ainda não perceberam que as sobras intestinais dos cãezinhos de estimação não devem emporcalhar as ruas da cidade. Só é pena que, com o tempo, a educação forçada mostre resultados. À mingua de cagalhões caninos espalhados pelas ruas, toda aquela brigada de especialistas começa a ser perfumada pela inutilidade.
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