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Diziam: ser, é andar no fio da navalha.
Éramos reféns do acaso. Que se desenganassem os cultores do destino, como se o
destino estivesse deitado em estiradores onde arquitetos perfecionistas
traçavam as suas bissetrizes. E diziam: a resignação devia ser modo de vida. A
autonomia do ser que capitulasse, pois ela esbarrava em acontecimentos indomáveis.
Todos os dias eram uma soturna digressão em cima do fino fio de cobre do
trapézio. Havia algo de circense na existência. Duplamente circense,
proclamavam. Porque andávamos no trapézio em constante demanda de equilíbrio
precário. E porque os que teimavam na dissidência eram truões da turba.
Contrapôs: se calhar, até havia uma terceira dimensão circense. Pois se o
equilíbrio era precário, natural seria que todos os dias alguém escorregasse do
trapézio para uma queda sem fundo. Anuíram, com os olhos emprestados de soberba
ao somarem outra dimensão circense. A discussão era inútil. As certezas estavam
em estado tão avançado que se enquistavam como imperativos categóricos. Não tinha
serventia prosseguir com a argumentação. Meteu as mãos nas algibeiras e virou
as costas. No caminho para casa, os histriónicos argumentos de negação da
autonomia do ser não cessavam de se esmagar contra o pensamento. Mas não
interessavam os arrevesados propósitos de apoucamento da espécie. Não
interessava saber se estávamos sitiados por inevitabilidades fora das nossas
mãos. As inquietações deixadas no caminho pelos interlocutores não chegavam
para desfazer as suas ideias. Há sempre uma normalidade qualquer. Desafiá-la é
uma maneira de tecer outra normalidade. Tê-las (quaisquer normalidades) como
idiomas de um trapézio nem sequer serve como metáfora. Não, não andamos em cima
de um trapézio. Os pés cravam-se no chão que nos serve de valimento. E o chão é
de uma largura do tamanho do mundo. É só querermos que assim seja. Valia a pena
esgrimir este argumento aos penhores da irrelevância humana? Não. Era como
gritar bem alto num deserto povoado por ninguém.
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