21.11.12

Sublevação no teatro das marionetas


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Um dia, o rastilho rebentou. No teatro das marionetas, as diferenças pisaram o limiar da tolerância. A peça, naquele dia, não seguiu o guião. Um dos bonecos, o operário obediente que nidificava numa interior revolta, anuía e anuía sempre. A ausência de alternativas puxava lustro à resignação. E o patrão, oportunista, retirava regalias à medida que o estado de emergência mordia no pescoço dos mais fracos.
No guião da peça, a revolta do povo ecoava em manifestações de rua (nas orquestradas pelos sindicatos e nas que medraram espontâneas). No dia seguinte, o operário regressava à fábrica. Cabisbaixo e obediente. Naquele dia, o ator que manipulava o boneco do operário corrompeu o guião. Quando devia mostrar humilhante resignação diante do patrão, protestou a justiça social em voz audível. O outro boneco fico assarapantado – aquilo não estava no guião. Ato contínuo, o operário agarrou o patrão pelo gasganete e derrubou-o. Atirou uns sopapos ao rosto afeado do patrão.
A audiência exultou. Era destes sinais, reproduzidos à exaustão, que estávamos carentes – vociferou um espetador. O ator que manipulava o patrão tomou a coisa a peito. Achando que a agressão era pessoal, deixou o boneco no chão e desferiu um soco no ator que tinha os olhos em brilho ao saber que a audiência se excitava com a justiça poética da sua lavra. Foi tão violento o murro que o cenário veio abaixo. O público vibrou com o pugilato. O encenador correu ao palco para separar os atores. Não conseguindo reprimir a parcialidade, empurrou o ator que começara os desacatos. Não lhe perdoou ter adulterado a peça.
A balbúrdia agigantou-se. Dos bastidores irrompeu, colérico, o autor da peça. Culpou o encenador por não saber adaptar a peça ao correr dos tempos. Que os tempos difíceis autorizavam a criatividade dos artistas dentro da peça. Acusou o encenador de ser quadrado. Este respondeu com um pontapé e os quatro pegaram-se como se fossem jogadores de rugby engalfinhados. Alguns espetadores subiram ao palco. Uns para exercerem pacifismo. Outros para entrarem na refrega. A confusão terminou quando a polícia (uma espécie de entidade divina, mas sem barbas brancas e patilhas farfalhudas) entrou no recinto para restaurar a ordem.
A polícia, afinal, sabe não ser violenta.

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