In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijDH3nbEcHFckgdLElaijbla2x8-9xBponljIrVF0jtmVUpZhevMdkag3VmIX8V7x2Pm9nOyJHb12bhPjJEXgWvCBgyDLKg6cgeStJ1PiIQPEkopzW4bYGIENFB3HWoLWRgRzv/s1600/marionetas.jpg
Um dia, o rastilho rebentou. No teatro
das marionetas, as diferenças pisaram o limiar da tolerância. A peça, naquele
dia, não seguiu o guião. Um dos bonecos, o operário obediente que nidificava
numa interior revolta, anuía e anuía sempre. A ausência de alternativas puxava
lustro à resignação. E o patrão, oportunista, retirava regalias à medida que o
estado de emergência mordia no pescoço dos mais fracos.
No guião da peça, a revolta do povo ecoava
em manifestações de rua (nas orquestradas pelos sindicatos e nas que medraram
espontâneas). No dia seguinte, o operário regressava à fábrica. Cabisbaixo e
obediente. Naquele dia, o ator que manipulava o boneco do operário corrompeu o
guião. Quando devia mostrar humilhante resignação diante do patrão, protestou a
justiça social em voz audível. O outro boneco fico assarapantado – aquilo não estava
no guião. Ato contínuo, o operário agarrou o patrão pelo gasganete e
derrubou-o. Atirou uns sopapos ao rosto afeado do patrão.
A audiência exultou. Era destes sinais,
reproduzidos à exaustão, que estávamos carentes – vociferou um espetador. O
ator que manipulava o patrão tomou a coisa a peito. Achando que a agressão era
pessoal, deixou o boneco no chão e desferiu um soco no ator que tinha os olhos
em brilho ao saber que a audiência se excitava com a justiça poética da sua
lavra. Foi tão violento o murro que o cenário veio abaixo. O público vibrou com
o pugilato. O encenador correu ao palco para separar os atores. Não conseguindo
reprimir a parcialidade, empurrou o ator que começara os desacatos. Não lhe
perdoou ter adulterado a peça.
A balbúrdia agigantou-se. Dos
bastidores irrompeu, colérico, o autor da peça. Culpou o encenador por não
saber adaptar a peça ao correr dos tempos. Que os tempos difíceis autorizavam a
criatividade dos artistas dentro da peça. Acusou o encenador de ser quadrado. Este
respondeu com um pontapé e os quatro pegaram-se como se fossem jogadores de rugby engalfinhados. Alguns espetadores
subiram ao palco. Uns para exercerem pacifismo. Outros para entrarem na
refrega. A confusão terminou quando a polícia (uma espécie de entidade divina,
mas sem barbas brancas e patilhas farfalhudas) entrou no recinto para restaurar
a ordem.
A polícia, afinal, sabe não ser
violenta.
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