23.11.12

Às coisas simples (2)


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Regressemos à margem do rio, onde o ar fresco levita as palavras. Não nos deixamos tomar pelo novelo de metáforas. Ou, em querendo enriquecer a linguagem, olhamos para a lhaneza das metáforas, evitamos hipérboles e escolhemos a dedo as figuras de estilo. Convém pormos rosto a preceito quando as palavras vêm no travesti de uma figura de estilo.
Quando virmos a prometida barca passar, no compasso com o rio em demanda da sua foz, olhemos com atenção a figura garbosa dos navegantes. Interrogamos um marinheiro atento a quem passa na margem, interrogamo-lo sobre a parança da barca. Mas é longe e o rumorejo das águas caldeia as palavras do marujo com o ininteligível. Podíamos seguir a rota da barca a trote, mas a corrente do rio traz força, que os últimos dias têm sido pluviosos. Não conseguimos. Nem que estugássemos o passo e tivéssemos o mesmo tirocínio de atletas, não conseguíamos.
Deitamo-nos a imaginar em que cais aportará a barca. Na nossa demanda, passamos por um pescador que comenta com outro pescador que a barra está traiçoeira, as ondas do mar encrespadas metendo-se pelo rio dentro que desce, com a sua voracidade, às águas mais profundas tingidas pela salinidade. Pressagiamos uma tarefa medonha para a barca. Entendemos agora a agonia no rosto dos marinheiros. Não sabem se a aventura terá fim frondoso. As noivas esperam-nos no cais, embrulhadas nos terços e numa ladainha coletiva, as preces todas afinadas para a salvação da viagem dos amados.
Ninguém assegura que a viagem não termine em estilhaços quando a barca afocinhar nas águas tempestuosas da embocadura do rio, feitas de turbilhões em forma de pesadelo. Nisto, olhamos os olhos nossos, tomados pela agonia emprestada. Nada, é o que podemos fazer. E à míngua de preces, que as não sabemos sondar, deixamos o destino da empreitada para as novas que vierem no dia seguinte. Se as novas forem omissas sobre a barca corajosa, será a nova que queremos saber.
Os estilhaços dos outros são o canto da nossa simplicidade. De que servem as dores alheias se elas emprestam dores a nós mesmos? Reparar nelas é imperativo. A agonia, deixamo-la para quem nela naufraga.

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