26.11.12

Sociedade Protetora dos Presuntos de Chaves


In http://img232.imageshack.us/img232/4783/presunto.jpg
Era numerosa, a confraria. Gente anónima e doutores, artistas de várias artes, jornalistas, senhores da política, toureiros, desportistas, cientistas, mulheres de limpeza, funcionários públicos e desempregados. Entre a gente perita nas artes pantagruélicas, de chefes de cozinha de gabarito a cozinheiros de tasca. A causa, levavam-na a peito. A Europa queria que os presuntos fossem feitos de maneira asséptica. Era impossível: mais valia matar os presuntos.
Eles e elas, os da confraria, tinham a intrusão dos burocratas europeus como heresia. Puxavam-se-lhes os alambiques das tradições. Quando um burocrata enfiado numa distante torre de marfim as queria joeirar, acusavam a ofensa. Decidiram emprestar nome pomposo à entidade: Sociedade Protetora dos Presuntos de Chaves. Pois descobriu-se que o burocrata que assinou a diretiva assassina, um dinamarquês analgésico, teve a ideia de atacar os presuntos quando o levaram a um restaurante que tinha o nome dos presuntos de Chaves.
A Sociedade Protetora dos Presuntos de Chaves veio para os jornais e para as televisões – para isso é que serviam os jornalistas e os senhores bem postos na política, para abrir as portas das notícias, que o espaço público é escasso e a competição por ele é uma selva. Primeiro doutrinaram os concidadãos, a maioria sempre filiada no peditório da preservação das tradições. (Descontem-se os vegetarianos e os adoradores de uma asséptica forma de vida.) Depois bombardearam a imprensa da Europa. Embaixadas de produtores de presuntos de Chaves fizeram périplo pelas grandes cidades europeias.
Artistas de toda a Europa, depois de terem amesendado opíparas tapas à base da fumada perna do bácoro, prestaram-se voluntários da causa. Que chegou a foros do excesso: um ramo mais radical da Sociedade Protetora dos Presuntos de Chaves (não reconhecido oficialmente pela dita) primeiro atirou ovos podres ao burocrata dinamarquês, depois estilhaçou na cabeça do seu chefe um saco de plástico cheio de dejetos de gaivota, depois fez rebentar um petardo à porta do fautor da aleivosia contra uma tradição gastronómica.
Foi a melhor publicidade que alguma vez se pôde imaginar. E gratuita: vendia-se presuntos (de Chaves e de onde eles tivessem DOP) como nunca. Um dia, já a proibição deixara de estar na agenda das imensas leis europeias, a Sociedade Protetora dos Presuntos de Chaves votou, por unanimidade e aclamação, o burocrata dinamarquês como patrono da dita.

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