In http://img232.imageshack.us/img232/4783/presunto.jpg
Era numerosa, a confraria. Gente
anónima e doutores, artistas de várias artes, jornalistas, senhores da
política, toureiros, desportistas, cientistas, mulheres de limpeza,
funcionários públicos e desempregados. Entre a gente perita nas artes
pantagruélicas, de chefes de cozinha de gabarito a cozinheiros de tasca. A
causa, levavam-na a peito. A Europa queria que os presuntos fossem feitos de
maneira asséptica. Era impossível: mais valia matar os presuntos.
Eles e elas, os da confraria, tinham a
intrusão dos burocratas europeus como heresia. Puxavam-se-lhes os alambiques
das tradições. Quando um burocrata enfiado numa distante torre de marfim as
queria joeirar, acusavam a ofensa. Decidiram emprestar nome pomposo à entidade:
Sociedade Protetora dos Presuntos de Chaves. Pois descobriu-se que o burocrata
que assinou a diretiva assassina, um dinamarquês analgésico, teve a ideia de
atacar os presuntos quando o levaram a um restaurante que tinha o nome dos
presuntos de Chaves.
A Sociedade Protetora dos Presuntos de
Chaves veio para os jornais e para as televisões – para isso é que serviam os
jornalistas e os senhores bem postos na política, para abrir as portas das
notícias, que o espaço público é escasso e a competição por ele é uma selva.
Primeiro doutrinaram os concidadãos, a maioria sempre filiada no peditório da
preservação das tradições. (Descontem-se os vegetarianos e os adoradores de uma
asséptica forma de vida.) Depois bombardearam a imprensa da Europa. Embaixadas
de produtores de presuntos de Chaves fizeram périplo pelas grandes cidades
europeias.
Artistas de toda a Europa, depois de
terem amesendado opíparas tapas à
base da fumada perna do bácoro, prestaram-se voluntários da causa. Que chegou a
foros do excesso: um ramo mais radical da Sociedade Protetora dos Presuntos de
Chaves (não reconhecido oficialmente pela dita) primeiro atirou ovos podres ao
burocrata dinamarquês, depois estilhaçou na cabeça do seu chefe um saco de
plástico cheio de dejetos de gaivota, depois fez rebentar um petardo à porta do
fautor da aleivosia contra uma tradição gastronómica.
Foi a melhor publicidade que alguma vez
se pôde imaginar. E gratuita: vendia-se presuntos (de Chaves e de onde eles tivessem
DOP) como nunca. Um dia, já a proibição deixara de estar na agenda das imensas
leis europeias, a Sociedade Protetora dos Presuntos de Chaves votou, por
unanimidade e aclamação, o burocrata dinamarquês como patrono da dita.
Sem comentários:
Enviar um comentário