Propaganda, “Dr. Mabuse”, in https://www.youtube.com/watch?v=px4xHQd9h14
Prosápia. Discurso, abundante, que condensado se reduz a um pouco mais do que nada (em sendo usado critério generoso). Um centro do mundo, contrariando as leis da física e o desempenho da mediocridade. O papagaio faz o que sabe fazer melhor: pa-pa-guei-a. Ninguém o avisou que o papaguear não está em alta na bolsa dos predicados.
O espelho está belo. O espelho; não é o que o espelho reproduz quando a imagem do papagaio aparece à frente. A confusão de juízos prova a ausente lucidez, ou um incorrigível apedeuta que não sabe interpretar o que lhe chega aos sentidos. Interioriza: bela é a imagem reproduzida pelo espelho. A sua imagem. O espelho é uma matéria inerte, que só ganha vida quando um ser vivente se oferece ao espelho para que este prove a sua serventia. Às vezes – convinha que o papagaio soubesse – é a matéria inerte que corporiza a formosura. Isto a partir do pressuposto, ainda à espera de prova cabal, que a formosura traz o mundo pela trela.
O papagaio, contudo, disfarça a pança. Ou melhor: disfarça o olhar que às vezes descai sobre a proeminente pança. Está convencido que possui uma silhueta invejável, como se estivesse à disposição das passerelles onde a moda desfila nos corpos dos invariavelmente maldispostos manequins. Está convencido do seu elevado estalão intelectual, quase erudito. Há um mundo a percorrer o imaginário do papagaio e o mundo lá fora. E um enorme hiato a distanciar as duas mundivisões.
Do alto da sua imaginada posição centrípeta, o papagaio imagina-se pajeado. Não interessa que o séquito não seja numeroso. Contenta-se com a existência de um séquito, a prova de vida da sua centrípeta posição. Às vezes, a atenção dos outros é convocada pelo trunfo da vitimização. Muita gente comove-se com os desafortunados que assim se apresentam. Porventura, por solidariedade de casta: serão os mesmos que não hesitam em papaguear o papagaio se for a sua vez de se considerarem vítimas do ultraje, da infâmia, de perseguições infundamentadas, ou de injustiças só remediadas se uma vaga de fundo, com a ajuda do clamor popular, demover o imponderado fautor da injustiça.
Talvez seja a pança que impede o papagaio de interpretar o mundo fora da sua insólita construção alucinante. Como se tudo no universo concorresse a favor dos propósitos do papagaio. É a pança mental que previne a hermenêutica a preceito.
Ele há gente que tropeça nas armadilhas que julga tecidas para apanhar os outros em falso.