Blur, “Go Out” (live with Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=J7IoAd0I6zQ
Era preciso refazer a clepsidra. Ordenar as sílabas dentro das suas casas, sem que as palavras pudessem desviar-se do proposto sentido. Às vezes, pressentia um frio avassalador a inundar as veias e o sangue explodia para outra galáxia, irrepreensível em sua doutrinação sem destinatário. Pois era disso que se tratava: ideias sem paradeiro concentravam-se ao pôr-do-sol, esperando por uma epifania qualquer que não tinha uma divindade por bússola. As folhas de papel esvoaçavam, levadas pelo vento em piloto automático, para angústia dos circunstantes. Não fosse pelo ato de insubmissão (ficou por determinar se a insubmissão se devia às folhas que levantaram voo, ou ao vento que as desarrumou), seria possível traçar a prova dos nove. Seria tudo dito, convenceram-se. Erradamente: podiam ir pela madrugada fora, em abraseadas discussões, que não passariam da avença da indeterminação. A prova dos nove não faria prova de coisa alguma. Aos que teimassem na ousadia do contrário, chamar-se-ia agiotas. Agiotas no pior sentido que a palavra transporta, sem enovelamento metafórico que lhe valha. Nessa altura, convencidos os agiotas que não podiam sê-lo, estariam todos em condição para atestar a sua loucura. Uma insanidade perfeita, sem embaraços, uma loucura a dispensar manicómios. A loucura de aprovisionarem palavras apátridas numa enxurrada benigna. Contra o torpor dos dias seguidamente repetidos. Contra as fogueiras que se incensam na boca dos gladiadores. Contra o disfarce do dia no avesso da estultícia. Nessa altura, desconvencidos os agiotas, sobravam as cinzas da sua opulência sem inventário. O chão ficaria despejado dos vestígios gastos que pertenceram a um lugar que perdeu alvíssaras. E as palavras seriam jogadas contra o cais onde se efabulam os sonhos improváveis. Seria como fazer o avesso da prova dos nove, uma prova existente para provar uma inexistência. Sem isso, todos seriam agiotas outra vez, senhores da sua própria contrafação.