Balla, “Oub’lá”, in https://www.youtube.com/watch?v=ecfUXtmbkNY
(Não aconselhável a mentes sensíveis – ou talvez não)
É canónico: quando queremos que alguém se dê mal numa circunstância, dizemos “quero é que (fulano) se vá foder”. Quando queremos fazer mal a alguém, avisamos “vou-te foder”. Quando desejamos que alguém fique entregue a si próprio no meio de um qualquer vendaval de difícil extração, proclamamos “ele que se foda”. O termo, usado como verbo ou substantivo, banalizou-se. Ao ponto de o seu sentido ter sido adulterado.
Aprecie-se a lógica seguinte: se o “foder” é sinónimo de ato sexual, e se partirmos do pressuposto que é da natureza humana gostarmos do ato sexual, quando queremos que alguém se foda, ou quando acertamos as contas ameaçando “vou-te foder”, ou quando nos desimportamos de alguém e lhe vaticinamos que se vá foder, estamos a desejar, a ameaçar ou a votar à indiferença usando um termo que tem um sentido oposto àquele que lhe queremos atribuir. Se dizemos “quero é que (fulano) se vá foder”, e se partimos do pressuposto que gostamos do ato sexual, estamos a desejar-lhe algo que não é de menosprezar. A menos que saibamos, ou pelo menos seja nossa desconfiança, que a pessoa a quem o desejamos é frígida, ou que nós, por pessoal antipatia com o ato sexual, lhe atribuímos essa conotação pejorativa.
Quando ameaçamos alguém com um contundente “vou-te foder”, nos tempos atuais isso pode dar origem a um processo judicial, se o destinatário do (convencionalmente entendido como) impropério não sentir desejo carnal por nós e considerar as nossas palavras uma perseguição que cerceia a sua liberdade. Pode ocorrer hipótese diferente: as palavras saem da boca em tom de ameaça, mas a pessoa a quem elas são destinadas oferece-se, prestimosamente, para a consumação da ameaça. Nesta hipótese, é de considerar duas possibilidades: ou a ameaça se transfigura em prazer recíproco, podendo dar origem a uma bela amizade (pelo menos); ou se não correspondemos com o proclamado, deixando à míngua a pessoa que se predispôs à consumação do ato, somos nós que ficamos mal na fotografia, arrostando com o desagradável rótulo da frigidez.
Os cultores da semântica advertirão que palavras há que são polissémicas. Poderá ser o caso de “foder”, que tanto encerra um teor pejorativo como é alusivo aos irrefreáveis prazeres carnais que consumamos com alguém. Prefiro uma alternativa que escapa à possibilidade da polissemia. Entre as suas duas possibilidades (se a polissemia for admitida), a palavra compreende opostos. É difícil que um idioma consinta uma polissemia tão exacerbada. Caso contrário, abrimos as portas para a promiscuidade semântica, pois o termo pode ser usado como ultraje, ameaça, indiferença, ou como evocativo de algo que nos dá prazer.
Excluída a possibilidade da polissemia, devem os cidadãos ser advertidos para a não banalização da palavra. Caso contrário, seremos todos promíscuos...
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